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Um dedo de Prosa na Páscoa

(uma pequena parte de meu livro "Lua Perfeita")

Dentre as atividades da igreja que eu mais gostava, a Semana Santa era especial. A época da quaresma era uma fase de grande recolhimento, reflexão e respeito ao nosso querido amigo Jesus. Os santos eram todos envoltos em um pano roxo, em sinal de luto. Tinha as rezas de todos os dias, mas agora , além do terço, veio a via-sacra, que consiste em parar em cada um dos doze quadros que representam o sofrimento de Jesus. Todas nós tínhamos que estar preparadas... porque era de lascar, digo, de chorar mesmo. 

Fazia parte da igreja um padre que se chamava Frei Jorge. O danado tinha uma capacidade infinda de demonstrar seu pesar pelo sofrimento de Jesus. Ele era simplesmente fantástico ! Cada vez que parava defronte uma das figuras da via sacra, ele contemplava primeiro. Depois, suando em bicas, começava a narrar o que acontecia com Jesus. No final todos choravam dentro da igreja, sem exceção. O Frei Jorge, além de ser um santinho – dizem que ele dormia no chão e se penitenciava muito – era um ator de primeira linha. Deus lhe deu o dom da palavra, da emoção. 

Sabe onde eu ficava ? Literalmente babando defronte o frei Jorge. Tinha que vê-lo falar, não só ouvir. E para vê-lo, pequenina do jeito que eu era, tinha que ser colada na batina dele. As vias-sacras eram realizadas até a sexta-feira santa, quando era o dia que literalmente mataram Jesus . Nesse dia a coisa pegava. O pequeno padre perdia a voz, de tão emocionado que ficava. E as pessoas, inclusive eu, uma pequena menina de seis anos, víamos com toda a realidade que nossa mente e alma conseguiam alcançar, como Jesus tinha sofrido para nos salvar... 

O padre ficava no púlpito, os olhos marejados de lágrimas, o corpo suado e sofrido, e fazia o sermão mais eloqüente do ano. Depois da cerimônia da morte de Jesus, uma procissão com encenações que algumas pessoas que se destacavam na comunidade, pela sua beleza física ou pela voz, cruzavam a cidade. As pessoas levavam velas e a cidade inteira comparecia. A procissão do Senhor era de uma singular beleza. Todos participavam com orações e cânticos. Quando a “Maria Madalena” cantava – uma moça lindíssima e com uma voz maravilhosa – a cidade inteira se calava. Depois, todos iam de volta à igreja, para beijar o Senhor Morto. Eu garanto que naquele dia ninguémzinho pecava...todos viravam anjos!

... Mas a tristeza duraria pouco... porque no domingo as coisas ficariam muito boas – Jesus ressuscitaria e a celebração da Páscoa era o ponto máximo da época. Aí, vestido novo... buracos dos sapatos tapados de novo... missa... macarrão, galinha assada, maionese, guaraná, pudim ! E... ovos de páscoa! Quem está pensando que eram de chocolate ... claro que não ! Eram ovos de verdade, cozidos e pintados com lápis de cor ! Dava até pena de comê-los ... mas a gente não podia dizer que não ganhávamos ovos de páscoa. ..

No calor de minha família, nosso pequeno pai e nossa meiga mãe não estavam preocupados com isso... depois de tanta festa a vida voltava ao normal... escola, muito serviço dentro de casa... sobrevivência na criação de cinco crianças famintas, uma escadinha de pequenos italianinhos. 


FELIZ PÁSCOA A TODOS !


(As fotos são da minha cidade, Santa Teresa - ES. A segunda foto é da minha rua. A dos italianinhos é dos meus avós paternos com o meu pai).

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 05/04/2007
Alterado em 31/01/2012


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