Retratos da Cidade, VI
Ah, hoje é sábado! Ainda não me acostumei a deixar os hábitos que tinha até um passado bem recente. Os dias da semana, terças e quartas, principalmente, ainda me confundem. A segunda-feira, eu sei, é o dia que tudo começa. O dia da dieta nova, dos novos planos em prática, quando um novo ciclo se inicia. Prometo a mim mesma – nesta segunda vou comer torradas e chá no café da manhã. Nada de queijos, que adoro. Vou ler o jornal e ele vai me mostrar que o mundo é lindo! Mataram o amigo do primo da minha amiga, enchentes destruíram cidades e aquela escola, tão linda, foi pelos ares pelo tornado do nosso amigo lá do norte. Aqui no Brasil e em todas as partes do mundo, tudo é belo: famílias inteiras são dizimadas, pais estupram filhas de dez anos, velhos são abandonados nas ruas... E mais uma vez eu me arrisco nas ruas da ilha. Tomei um café expresso na cafeteria do grande supermercado, com o gerente. Nesta lojinha, que é uma graça, tem uma pequena banca de revistas e livros. A confeiteira é uma simpática senhora de 82 anos, mãe da dona. Está simplesmente feliz pela nova atividade que arrumou. Disse pra mim que sente um pouco de dor nas pernas mas que está valendo a pena, isto está! Comprei a Oitava Coletânea dos Poetas Capixabas. Lembrei que a capa do novo livro daquela escritora consagrada é parecida com a capa do meu – o único que tive coragem de publicar em papel. Juro procê que não copiei a capa, é minha criação e da editora, única. Como não sou famosa e não tenho um nome que chame a atenção, não vendo, tal a maioria dos milhares de poetas, cronistas e escritores maravilhosos que temos. Não me importo de não ser famosa... pago as minhas contas em dia e tenho um grande orgulho de mim mesma. Mas que eu tenho prazer em pagar pelo seu novo livro, isto eu tenho... sou fã de carteirinha da moça.
Eu tenho algumas manias, como todo mundo. Adoro tomar café expresso em lugares determinados, onde converso com um monte de pessoas lindas. Encontro, nesses lugares, pessoas que eu aprendi a amar, que perguntam como eu estou de verdade! A menina que me atende, sempre tão solícita, estava sem uniforme porque queria usar a blusa que a mãe dela lhe deu, cheia de florzinhas e cores. Estrategicamente escondeu o uniforme – se a patroa aparecer de repente corre lá e troca a blusa, que ficou linda nela! Claro que dei o maior apoio. E aí, como gosto de me perguntar mil coisas, fico imaginando qual foi a razão que o gerente daquela loja tão grande, que é do lado de cá da ilha, foi morar justamente do lado de lá, tão longe, onde tem que pagar pedágio? Tomando o café junto comigo, ele diz que teve que gastar muito com o cachorrinho dele, de raça chinesa. Ai, eu penso na minha Nina, mistura pura de vira-latas com latas viradas...
Falando em vira-latas, aquele cachorrinho da vizinha, que finalmente entregou a sua casa para que um novo edifício seja erguido, foi esquecido no quintal da casa, já sendo demolida, onde ele corre de um lado para o outro vendo seu mundo ser destruído. O bichinho chora o dia todo, dá até pra ver as costelinhas aparecendo, na saudade dos donos e na fome. Paulinho, o vizinho do primeiro andar e eu pulamos o muro e levamos comida e água pra ele, até que a polícia ache que a gente está roubando. Vem cá, fala sinceramente pra mim, você gosta de animais? Eu, além de gostar, os respeito muito. Se ele está assustado, muito mais eu estou porque ele é tão grande que não cabe no meu espaço de viver. Não tenho como trazê-lo para cá... Aposto que você está pensando a mesma coisa que eu...mas a gente não pode mandar no pensamento das pessoas.
Comprei, por ordem : suco de laranja, bolo de chocolate, coca-cola e o livro da escritora consagrada. Total 42 reais, sendo que a metade da despesa foi gasta na aquisição do livro, que li, em exatos 48 minutos.
Bom domingo!
