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Escutar o que é velho
 
Minha avó Eugenia insistia em segurar-me com força em seu colo e dizia que tudo que desejava era que eu me aquietasse por alguns instantes. Quanto mais ela me apertava mais eu me soltava. Eu era muito espoleta e ela não apreciava muito as minhas peraltices, enquanto os mais velhos conversavam. E eu lá queria saber de escutar o que era velho, aquelas mesmíssimas coisas todos os dias? Eu queria me aventurar em caçar lagartixas, ver os vagalumes acendendo e apagando suas luzes, brincar com minha boneca de pano.

Ela e minha irmã Nega fizeram parte de minha infância com muita intensidade. Vovó Eugenia não era chamada da Nona; achávamos o uso da palavra "Vovó" diferente e novo e passamos a chamá-la assim. Ajudava nossa mãe nos afazeres domésticos e seu divertimento era costurar. Tinha uma personalidade fortíssima, herança de uma infancia difícil.

Lembro-me do ritual que ela preparava para o meu banho. Uma enorme bacia de alumínio com água morna era estrategicamente colocada no meio da cozinha. Eu sentia frio enquanto ela me ensinava, pacientemente, como tomar banho. Eu, sapeca demais, adorava brincar com as bolhas que o sabonete fazia. Minha avó repetia, desesperada :

- Sonia, pare de fazer escuma!
E eu ria – Não é escuma, vó, é espuma!


Como era bom “escutar o velho” todos os dias! Foi naquela mesma cozinha que eu senti, pela primeira vez, o que é plena sensação de vazio. Um dia ela não estava presente e eu tive que tomar banho sem a sua severa supervisão. Aquele sentir foi tão intenso e marcante que neste momento, enquanto escrevo, sinto a “vazia solidão” com a mesma força de quanto aconteceu.

Hoje eu penso muito nas plantinhas, principalmente nas azaléias. Elas cumprem fielmente o seu papel na natureza. Permitem manter seus pequenos galhos verdes e neles deixam que brotos fechados se instalem em suas pontas. Deslumbrantes, de um dia para outro enchem nossos olhos quando florescem brancas, rosadas, carmins. Depois, cumprida sua missão de clarear nossos olhos, vão secando. Primeiro as flores, depois as folhas e finalmente, os galhos, até o próximo ciclo, quando nos presenteia novamente com sua beleza. A plantinha, antes tão bela, vira um amontoado de galhos secos e assim permanecem por muitos dias. Quando menos se espera, o clico repete-se, lindo de viver. O velho torna-se novo.

Escutar o que é velho é guardar com sabedoria o aprendizado bom de nosso tempo de criança. Escutar o que é velho é permitir-se reler o que escritores e filósofos nos ensinaram muitos anos atrás e guardamos para sempre. Escutar o que é velho é sorrir ao relembrar momentos que jamais serão esquecidos.

Na verdade, eu queria demais poder voltar no tempo e escutar tudo que é velho novamente.
 



Domingo de novembro de 2011
Ilustrações Google

"Sempre aos Domingos" - à cata de azaléias.
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 06/11/2011
Alterado em 24/03/2012


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