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Textos


 

Lua de São Jacinto

 

Espero poder estar aqui daqui a dezoito anos, para ver a Lua Cheia de novo. O belo da Lua é o mistério em torno dela...

 

Conheci a beleza da lua num lugarejo do interior, São Jacinto. Acho que eu tinha uns sete anos quando meus pais deixaram que eu passasse alguns dias de verão naquele lugar, novo e mágico para mim. Numa viagem longa, de ônibus, finalmente chegamos ao lugar. Para alcançar a casa, guiada pelas pequenas mãos de minha Noninha Cecília, caminhamos muito tempo até chegar ao nosso destino e eu suava em bicas! A cada dois segundos perguntava se faltava muito para chegar e a cada dois segundos minha nona dizia que faltava um “poquetim” e que logo chegaríamos.

Queria saber se tinha pasta de dentes porque eu estava levando minha escova. Minha nona disse que o tio Clarindo tinha pasta e que me emprestaria um pouco no domingo! Se bem que para domingo faltava muito e os meus dentes teriam que se conformar com folhas de erva doce mastigadas lentamente, até limpar todos.

Absortos em seu trabalho, nem prestavam atenção naquela menina curiosa que queria desbravar as matas de São Jacinto. Qualquer folha que se mexesse já era novidade para mim. Eu adorava ver o caminho de formigas e ficava fascinada com a força que cada uma tinha, carregando aquelas pesadas folhas nas costas. E ainda tinha gente que pisoteava sobre as pobres formigas. Só fui saber quem elas eram quando levei algumas ferroadas que me renderam alguns tantos calombos. Como penso que cada ser vivo tem uma função na vida, nem fiquei zangada com as formigas. Tem ser humano que é bem pior e nos ferroa em cada pedaço de nossa alma.

Para chegar até a casa, onde tia Ester e sua filha Mercilene nos esperavam,  tínhamos que abrir uma porteira e seguir um caminho estreito – aquele que as marcas dos pés, entre idas e vindas, forma nos chãos verdes. Na verdade, os pés são responsáveis por muita coisa bonita nesta vida. Servem de vassoura, fazem carinho, chutam, nos levam a lugares...

A casa era cheia de amor e eu bem sabia disto. Logo ajustei o meu relógio biológico à rotina da roça. Às quatro da matina, muito escuro ainda, já havia um cheiro de café vindo do fogão a lenha, com batata doce cozida, aipim e fruta pão. Eu era a primeira a sentar perto do fogão em um dos banquinhos feitos com pedaços de tábuas. O pão, feito pelas habilidosas mãos de nossa avó, era feito de trigo in natura e tinha esta cor marrom dos integrais de hoje e um gosto muito diferente para mim. Bananas eram colhidas no paiol e milho verde era cozido todos os dias. Eu adorava tirar as palhas e colocá-las no sol, para que novos colchões fossem costurados.

Os cheiros exalados da camomila e marcela já me fascinavam, pois os colchões eram feitos de palha de milho e as duas ervas faziam parte da mistura da grande almofada, costurada à mão. Era um pouco difícil acomodar o corpo, porque fazia um ruído estranho, que me assustava. Depois, o cansaço me vencia e o cheiro das lamparinas permanecia dentro do meu nariz. Sobre a camomila, aqui a lembrança que minha noninha lavava meus cabelos com o chá e de louros passavam a ter a cor da palha de milho.

Fico pensando como a vida era simples para aquelas pessoas lindas, marcadas pelo sol intenso, com a sola dos pés machucadas, as mãos calejadas de tanto catar café. As dificuldades que enfrentavam eram tantas que uma a mais não lhes fazia nenhuma diferença. Não havia água corrente, o banho era no riacho e as necessidades fisiológicas eram feitas longe da casa. As trouxas de roupas eram levadas até um local com algumas tábuas acomodadas dentro do riacho. Eu nem pensava nisso. Queria mais era continuar fascinada com a beleza das flores de maracujá em torno do riacho. As amoras silvestres eram deliciosas. Não me lembro de peixes, mas o medo que eu tinha do boi Fubá com aqueles olhos enormes como o lobo de Chapéuzinho Vermelho me arrepia até agora! Minha noninha dizia para eu não me aproximar do boi, jamais. Entre o medo e o fascínio, ficava na cerca olhando o imenso animal.

De tardinha, uma sopa de feijão com arroz nos esperava. Nada de carne -  só aos domingos, quando um frango era repartido entre 12 ou mais pessoas. Polenta, ovo frito, queijo parmesão e raditio faziam parte do almoço. Todos comiam e depois se reuniam para as orações. Sempre íamos ao vilarejo e nossos pés passavam pelo caminho estreito. Lá brincávamos de roda, ouvíamos histórias dos mais velhos, que dançavam ao som das concertinas. Os olhares eram certeiros e logo novas famílias eram constituídas.

Nunca vou me esquecer daquela lua imensa, que nos guiava pelo caminho estreito, até a choupana. E quem disse que havia necessidade de luz elétrica? Esta mesma lua que hoje me inspira versos é suficiente para que meu coração – o do lado de dentro de mim -  continue bom e simples, como meus nonos.

 

Bom domingo!


Conto-Cronica de março, 2011
Imagem Caminho de Bocaina - Bing Search


 

 

 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 20/03/2011
Alterado em 20/03/2011


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