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Textos


 Resposta ao Tempo

 

 

                               

“...Mas fico sem jeito
                                   Calado, ele ri
                                   Ele zomba
                                   Do quanto eu chorei
                                   Porque sabe passar
                                   E eu não sei...”

 

          (Aldyr Blanc e Cristóvão Bastos, voz de Nana Caymmi)


 

Maria Bento foi uma das pessoas mais importantes na minha vida. Ela era da cor de ébano, extremamente magra. Irene e Isaura foram trabalhar em casas no Rio de Janeiro e Maria ficou em Vitória, exatamente com a família que, muitos anos mais tarde, viria a ser a minha, de sobrenome emprestado.

Maria Bento virou Dindinha. Tinha uma personalidade inimaginável para quem não sabia escrever a primeira letra do alfabeto. Se estivesse feliz, seus olhos, seu rosto, seu corpo inteiro nos mostrava o que realmente sentia! Mas se alguém a magoava passava dias e dias sem dar uma única palavra e nada e ninguém conseguia tirar dela uma única frase.

Dindinha tornou-se minha maior amiga, quando passei a fazer parte da família. Muito jovem, tive o meu primeiro filho.   Quem me ajudava sempre era a Dindinha, que foi a orgulhosa madrinha do meu segundo filho. Ainda sinto o cheiro de sua sopa de feijão. Eu a levava em todos os lugares que frequentava. Se Dindinha não pudesse entrar, eu não entrava também. Rodrigo cresceu com aquela moça magra à sua espera, religiosamente, todos os dias, à porta de sua escola. Eu podia ir buscar o meu menino mas a Dindinha estaria lá, de qualquer maneira.

Dindinha misturava todos os personagens das novelas, as histórias contadas pulavam de um enredo para outro e eu ria demais, por mais que tentasse explicar para ela as diferenças nos capítulos de cada uma. Podia cair trovoada que Dindinha assistia a novela das seis, das sete e das oito. Nem mexia os olhos. A realidade e a ficção era apenas a sua verdade.

Era uma pessoa fácil de lidar e o tempo foi se encarregando de fazer nascer cabelos brancos e com isso,  sua pele passou a contrastar mais com os dentes muito brancos. Dindinha tinha extrema saudade dos pais e dos irmãos, separados por força de sobrevivência. Ao mesmo tempo, era vaidosa ao extremo. Usava perucas, seguia a moda nos mínimos detalhes. Tudo que era novo ela queria usar. Quando sentia saudade demais, um único copo de cerveja e o cigarro de palha, seus companheiros de muitos anos, era o suficiente para contar os detalhes da vida deles na roça e a saudade batia com uma força de gigantes. A mim, restava ouvir e mesmo que a mesma historia fosse repetida, para mim era como se fosse a primeira vez.

Dindinha é minha referencia da resposta ao tempo. Quando ela nos deixou, há muitos anos atrás, parte de mim foi junto com ela. Eu via aquela velhinha que não queria mais assistir as novelas e ficava triste. A vida perdeu a graça quando ela se viu impossibilitada de entender as imagens da tela, com a chegada da perda de grande parte de sua visão. Depois, a hereditariedade trouxe problemas maiores, muito maiores. E foi aí que Dindinha desistiu de lutar e deixou-se levar ao encontro das irmãs em outra dimensão.

Envelhecer a olhos vistos. Isso é uma realidade no nosso país hoje. Os velhinhos de nossa infância estão longe de ser como os de hoje. Todos usam o mesmo tipo de vestuário. Os homens usam bermudas longas, bonés, tênis maiores que os seus pés e sempre carregam uma toalhinha nas mãos para enxugar o suor. As mulheres usam calças compridas e blusas coloridas, chapéus lindos, óculos escuros e tênis ou sandálias tipo franciscanas ou acolchoadas. O que importa é que estes velhos de hoje não se aquietam em suas casas. Estão sempre participando de alguma coisa que preencha o tempo, este malvado senhor que passa por todos, sem dó. É interessante que todos seguem uma única rotina e vão fazendo adaptações. Hora de acordar, de levantar, de dormir, de comer, de ir ao supermercado comprar “um grampo”; tudo é cronometrado pelo senhor de tudo: o tempo, aquele que faz correr o calendário: dia, noite, tarde, mês, ano, anos!

Sempre que eu tenho uma folga, gosto de ir ao cinema nas sessões de meio de tardes. Já notei a grande quantidade de casais, felizes demais por irem direto ao caixa sem que seja preciso enfrentar filas. Compram a sua garrafinha de água e procuram o seu lugar marcado como se fosse sempre a primeira vez que entram na sala de cinema, mesmo sabendo onde está a fileira e as poltronas aonde vão se acomodar. Uma hora e meia do tempo está garantida com diversão!

Do alto da penúltima fileira vejo muitas cabeças brancas. Cabelos brancos que um dia tiveram cores vibrantes, que criaram filhos com amor, que sorriram e choraram. Como todos, como você, como eu...

 

 

Domingo nublado de final de fevereiro
Imagem Google



 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 20/02/2011


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