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Textos


 Havia uma ponte aqui

 

 

Ponte é um elo seguro entre duas pontas,

sem a qual a sua inexistência  lhe impede a passagem.

(Pensando em PONTES, Sonia Lóra, 2010)

 

No caminho até a casa de minha avó materna havia pedaços estreitos de madeira para nos permitir a passagem, por cima de pequenos riachos. Era uma pinguela simples, sem braços ou cordas para nos dar segurança nos desafios diários de criança. Passar por uma daqueles troncos de madeira, alguns já lisos de tantos pares de pés passando em sua superfície, era uma aventura magnífica. O medo de cair era grande, mas o máximo que ia acontecer era sujar a roupa, porque debaixo dela não existia nenhuma água furiosa para nos engolir.

O que importava era que eu ia ver os sapinhos na água límpida debaixo dela, com peixinhos tão pequenos que eu ficava horas esperando vê-los crescer. Ao lado dos pequenos riachos havia uma vegetação densa, verde, que mais tarde descobri ter um nome lindo que ficaria guardado para sempre: avencas. Eu tenho algumas palavras preferidas e esta é uma delas.

As pinguelas nos levavam a uma pequena casa, de onde nossa avó, viúva muito cedo, passava os dias numa máquina de costura, garantindo o alimento dos oito filhos. Da janela, ela tinha como companhia um enorme abacateiro. Nele fazíamos casinhas, balanços com cordas, cantávamos cantigas de roda. O máximo que eu conseguia chegar era a uns dois metros de sua altura, enquanto os outros galgavam os seus imensos galhos. Cada detalhe da pequena casa passa por minha mente e meus olhos; seu chão de terra molhada, o caminho de eucaliptos que mais parecia o caminho de um céu – e era um céu em toda a sua extensão  – as margaridas amarelas, os buracos que fazíamos nas encostas dos muros, formavam um abrigo que eu chamava de “minha casa”.

Naturalmente que esses caminhos foram ficando cada vez mais distantes. Algumas pontes foram acrescentadas em minha vida. Havia uma, em especial, que me levava a um moinho. Estrategicamente, ao lado da ponte, o dono do lugar fez pequenos espaços que abrigavam sorridentes crianças para a divertida pescaria de piabas e mandis. Cada um levava seus apetrechos e cada peixinho que era içado tornava-se motivo de comemoração.  O prazer de pescar os peixes era motivo de alguma reclamação das mamães, que tinham que limpá-los para o jantar. Tanto a ponte e o moinho dos nossos amigos não existem mais, mas na lembrança de centenas de pessoas continuam edificados e de onde nunca sairão.

A oportunidade de buscar novas experiências e continuidade nos estudos chegou, também para mim. Uma cidade pequena e linda me abrigou em terra distante. A primeira visão que eu tive daquele lugar, a muitas milhas daqui, foi a de uma ponte. Eu fiquei encantada quando o carro daqueles que seriam “meu pais emprestados para sempre” parou bem no comecinho da ponte, a um sinal vermelho. De repente, ela foi se abrindo e levantando-se, formando um imenso espaço para os barcos do rio que atravessa Illinois. Outras visões de pontes imensas foram se formando à minha frente: a linda ponte de San Francisco, na California, é uma das mais belas nas minhas lembranças. A menina cresceu e algumas outras pontes foram acrescentadas. Elos formados! Família, filhos, amor, poesia e filmes. Ah, os filmes... Um deles, “As Pontes de Madison” é um dos que eu revejo sempre que me dá vontade de atravessá-las, em busca de inspiração, enlevo e emoção.

Vitória, esta ilha que eu amo – e não há quem não a adore – é a cidade que eu escolhi para viver. Uma das visões que me enche os olhos é a da Terceira Ponte. De Vitória para Vila Velha, vou ao encontro do Convento da Penha visitar Nossa Senhora. Não consigo passar entre o Morro do Penedo e o Convento sem jogar todo o meu amor ao verde da Mata Atlantica e a vegetação da enorme pedra. A ponte, de três mil e trezentos metros, me acolhe sempre do lado de dentro, mesmo que buzinem continuamente para que eu mude de pista.  Sinto-me muito segura naquele lado e é lá que eu vou continuar. Meu coração aumenta de tamanho na volta, quando vejo a beleza desta ilha de mar azul e sol constante.

É através da Terceira ponte que atravesso mares, dou a volta inteira na ilha, ouço música a todo volume, falo sozinha, rio algumas vezes e choro outras.  Lembrar das centenas de vezes que eu atravessei esta ponte traz-me todas as boas  e especiais recordações que posso acumular.

Vitória é a minha Ponte para a VIDA.

 

Novembro de Chuva, 2010.
* Texto da autora, extraido do Livro "Escritos de Vitória", edição nº 27, 2010.


Ilustração : Google - Alexandre-Reider Photo


Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 20/01/2011


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