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Textos




Doce ônibus de Algodão 



 
"Como eu posso viver a sua vida se eu tenho outra vida?"
(Vendedor de algodão doce)                                     


 
Qualquer experiência que tenhamos nos ensina o melhor,
o pior, o certo, o errado, as facilidades que temos, o que é difícil, conhecemos melhor as pessoas, aprendemos a separar os grãos que devem ser descartados e plantar tudo de novo, até a chegada de pingos de chuva na medida certa, da luz do sol amena.

Quando somos invadidos em nossa privacidade e damos autorização, até quando permitimos que coloquemos um avental descartável para fazer um exame, ou vestimos uma roupa chamativa, sabemos os riscos que corremos.

Nada de ficar reclamando o que passou; eu não sou e nunca fui  a única pessoa no mundo que já teve alguma experiência dolorosa. Passou, passou. Cheguei à conclusão que a perfeição do tempo é fantástica. É o tempo o dono absoluto de tudo. Cada dia eu me apaixono mais pelo TEMPO.

Coisas que dávamos valores grandes e imensuráveis não valem absolutamente mais nada hoje. Sorrisos que fazíamos questão de receber já não são nem mais lembrados e, por mais incrível que possa parecer, de algumas pessoas que “amávamos demais” não lembramos nem mais como eram as suas feições.

Nestes últimos dez dias aprendi a usar moedas no sentido mais amplo da palavra. Eu sempre gostei de moedas. Elas tem o valor de milhões. Tenho um sobrinho querido que comprou uma máquina de lavar roupas com moedas, todas as que podia juntar. Fantástico, isso!

Eu aprendi a dar valor a moedas para meu uso pessoal e não para distribui-las, como eu estava acostumada a fazer. Com elas paguei trechos de passagens de ônibus. Lotados, suados, com ar entrando pelas suas janelas ou com pessoas caladas demais ou outras que falam muito, sem se importar que todo mundo normal tem ouvidos.

Nos ônibus encontrei solidariedade, sorrisos verdadeiros, gentilezas e pessoas de caras muito fechadas e eu tive medo. Resolvi,então, deixar o tempo agir. Vou andar de ônibus, todo mundo anda, vou usar moedas, vou comprar picolé e quem sabe, até um algodão doce...

Meu  filósofo e poeta, parceiro vendedor de algodão doce ,entrou
no ônibus lotado com alguns pacotes para vender. Sentou-se bem atrás de minha poltrona, ao lado de uma moça bonita, de óculos escuros, calada e com um fone de ouvido. Estava claro que ela não queria contato com o mundo exterior.

O rapaz, baixinho e muito simples,  sem dentes, disse um Bom Dia que, sinceramente, eu teria respondido. Era um Bom Dia feliz e de bem com a vida. Aí, ele começou a contar a vida dele para a moça, que nem sequer olhava para ele. Ele ficou encantado com a beleza da menina e queria comprar-lhe um refri.

Dentre as frases que ouvi, destaco:
- Tenho cento e vinte contos, da venda do meu algodão doce. Tô levando pra casa; a minha filha de quatro anos tá me esperando. Prometi que vou dar uma boneca que ela viu na televisão. Mas não esta de Papai Noel não. Sou eu mesmo! Ó!!! Óia os calos da minha mão! Ó! Òia os meus pés cheio de bolhas deste asfalto quente que nem que água fervendo! Mas deixa eu oferecer alguma coisa pra senhorita. Quer, eu lhe compro um refri...- Quer não? Água, então! - Pepsi! Todo mundo gosta de Pepsi! - Não quer? Mas eu quero lhe oferecer alguma coisa. Mas a senhorita não quer, né? - Então vou lhe fazer versos. Eu sou poeta. - Não posso ficar triste que faço versos. Rola de tudo enquanto eu choro. - Como eu posso fazer parte da sua vida se eu tenho outra vida?

Dito isso, virou-se para o lado e dormiu o resto da viagem, enquanto segurava com força os seus algodões tão doces quanto a sua vida.
 
 
Bom domingo! 
Ilustração Idemelo-googlesearch
 
 
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 19/12/2010
Alterado em 20/12/2010


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