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Textos




Luzes e Moinhos


 
Quando chovia muito, a força das águas do velho moinho triplicava e eu ficava horas olhando aquele movimento contínuo e mágico. Nunca soube, quando criança, para que servia um moinho.

Ele fazia parte de nossos dias e nem havia necessidade de nossos pais dar-nos explicações, como se a gente já nascesse sabendo que o moinho fazia o milho virar fubá, que o fubá era colocado em uma panela de barro, que se fazia uma polenta, que a polenta era o nosso jantar e que o moinho “amanhã” ia rodar novamente.

Eu fico enternecida quando visualizo a água girando no meu pensamento. Consigo ver claramente os raios de sol ou os pingos de chuva, que presenteavam as suas águas com uma cor meio dourada, dando reflexos coloridos nas minhas pupilas e aumentando os meus devaneios. O ruído era agradável e os seus “chuás” tinham um poder de magia para as minhas fantasias. Eu tinha medo de muita chuva, porque com ela vinham os mandis, peixes pequenos e que dão ferroadas muito dolorosas. Eu ficava feliz de pescar piabas. Os mandis eram uma ameaça aos meus dedinhos e aí era hora de pedir aos coleguinhas para tirar os mandis da vara de pescar e colocá-los na latinha com água. Eles se escondiam bem debaixo das encostas que circundavam o moinho.

Quando o serviço de moagem do milho se completava, era hora de pescar. Era um ciclo que fascinava. Chuva dava crescimento de plantinhas, hortas tornavam-se verdes e abundantes, peixes ficavam esperando o anzol da nossa turminha barulhenta, como se esta atitude fosse mesmo a sua missão: a de alimentar as pessoas.
Nesta selva de pedras que vivemos hoje não tem mais um moinho pra eu possa fantasiar meus pensamentos. Quem sabe eu ainda possa ver um nos lugarejos de algum estado lá do sul. Nem preciso ir pra Holanda, porque o nosso país é abundante! Tem até moinhos...

Enfim, hoje um sol bonito brilha, um sinal claro que estou livre para visitar a areia daquele meu cantinho preferido da praia, com direito a um filtro solar com base e um chapéu guardado há meses. De tarde um cinema me espera. Hoje é domingo e esta solidão que muitos sentem está apenas dentro de nós, não é mesmo?

Eu não suporto a idéia de que perdemos oportunidades de vivenciar momentos mágicos, só porque quem nos acompanha não está com vontade. Ou aquela pessoa, que era príncipe, virou sapo feio! Parece que vivemos acorrentados com grilhões de ferro a outras pessoas.

Eu não suporto isso; surpresa e desapontamento misturam-se facilmente quando eu pergunto:

- E aí, gostou das luzes de Natal se acendendo? O Coral das janelas foi bonito?
- Eu não fui...
- Mas como, não foi?
- Porque minha companhia não estava com vontade...

E aí, as horas da noite passam e logo será de manhã. O coral já cantou, as luzes de natal estão dormindo de dia para voltar com força à noitinha... Quem sabe hoje as luzes serão vistas até pelos olhos de quem não as viu ontem.

Eu vejo as águas do moinho com os MEUS OLHOS. Ninguém tem o direito de viver a minha vida e dizer como ela deve ser, mesmo que amemos todas as pessoas do mundo. Nenhuma é igual à outra; estou aprendendo, como se tivesse nascido há poucos dias.

Algumas árvores de natal não tem mais enfeites coloridos, aqueles que eu posso “ver” quando era menininha. Os enfeites foram trocados por luzes artificiais que piscam nas pontas de seus galhos de plástico. O meu amado moinho deu o lugar a uma ponte pequena, por onde ninguém mais passa.


 
Bom domingo!
Quinto dia de dezembro de 2010.
Ilustração Arlei Vieira(GoogleSearch)
 
 
 
 
 
 
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 05/12/2010
Alterado em 05/12/2010


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