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Textos



Caixinha de Olhos
 
 
- Agora nós vamos colocar os olhinhos na caixinha.
- Mas como a gente faz isso, Maitê?
- A gente aperta bem os olhinhos e eles ficam bem quietinhos...
 
Assim, Maitê dormia com seus quatro filhos, numa diferença de um ano e meio cada um.
 
 
 
 
 
Seu nome é Maria Teresa. O apelido Maitê surgiu de Mãe-Teresa e duas de suas filhas a tratam por Maitê até hoje. Ao perguntarmos pelo nome, lindo, ela diz:

- Ah, a Maitê atriz nasceu bem depois de mim, portanto, o nome é meu...

 
Maitê foi o personagem principal de horas de muitas risadas, gargalhadas e algumas lágrimas, neste final de semana. Minha amiga passou por minha casa para segui-las no “caminho da roça”, até a casa que é considerada uma vila italiana, um oásis cheio de plantas e com um cheiro de amor imenso, escondida atrás de um grande portão. Ao dar bom dia para as duas, Maitê já me conquistou logo com uma frase.
 
- Meu marido dizia que o carro pendia para a direita porque eu era muiiiittooo gorda e meu corpo sobrecarregava os pneus do carro e minhas coxas e braços juntos!
 
Segui a minha amiga e a Maitê, sem tirar os olhos do carro que levava aquela pessoa que ia me ensinar muitas lições em algumas horas. Sem tirar o olho do carro à minha frente, ouvia Nana Mouskouri, a cantora grega que sempre me acompanha nas minhas pequenas viagens, enquanto olho cada pedaço de estrada e penso na minha, ainda não longa o suficiente e com muitas milhas a serem percorridas, torcendo para que não seja mais com tantas crateras que teimam em permanecer.



 
Paramos numa floricultura para que Sil pudesse levar mais algumas plantinhas para o oásis particular que ela e seu amado construíram, pedaço a pedaço. O lugar é lindo e logo na entrada tem uma trepadeira que nunca vi antes. Descobrimos que seu nome é “Sapatinho de Judia”, pela delicadeza e forma de sapato da planta. Minha câmera me acompanha sempre e inaugurou a primeira foto do dia. Uma viagem tranqüila e chegamos no lugar que me fez rir e chorar, tomando água, café e coca zero, na companhia de uma pessoa especial, agradável, alegre, cativante!
 
Maitê casou-se aos dezessete anos e seu esposo era vinte anos mais velho que ela. Como ele não demonstrou o desejo de ter filhos, sua primeira gravidez somente foi descoberta depois de quatro meses, quando ela sentiu-se mal numa viagem ao Rio de Janeiro. Seus olhos brilham ao falar das filhas, netos e bisnetos. Mora num loft especialmente decorado por ela, baseado em fotos de revistas especializadas e muito planejamento. Passava horas pensando em como poderia transformar o seu cantinho num lugar aberto e que fosse algo agradável e aconchegante. Trinta e quatro degraus de escada depois, conseguiu o lugar que queria para viver, feliz e sempre com um sorriso imenso no seu rosto bonito. Maitê, viúva há seis anos,  é completamente assumida no termo “terceira idade”. Faz hidroginástica, viaja em excursões para todos os lugares possíveis e imagináveis – e até o que nem imaginamos – semana que vem ela levará sua alegria de viver para outra viagem. E nós, pobres mortais, que pensamos em como chegar até à esquina, ficamos boquiabertos com a sua sabedoria, alegria e dinamismo em lidar com a vida. Ela é organizada com suas roupas coloridas e não esconde de ninguém que tem uma amiga que chama de “minha querida irmã”, o Diabetes. Sorrindo, usa a medicação diária com a intimidade de quem conhece cada fase de sua companheira há vinte e sete anos. Não se priva de nada, entretanto. Adora ler revistas de telenovelas, faz feira como qualquer dona de casa, tem “cinco” motoristas particulares, seus amigos taxistas, com quem divide o pão e os pastéis da padaria do caminho de casa. Tudo que consegue é com planejamento e organização, sem ser uma mulher de grandes posses.



 
Maitê foi responsável pelas gargalhadas soltas que demos com as suas piadas. Ela tem o dom de contar histórias com gesticulação perfeita e tom de voz que não podemos deixar de prestar atenção ao desfecho. Piadas de louras (minha amiga, seu esposo e eu nos escondíamos atrás das gargalhadas, por sermos todos louros), de macacos, de festas na floresta, de noivos inexperientes, de casais excêntricos, cada uma contada entre intervalos de conversas sérias. Com sua habilidade em fazer-nos confortáveis e alegres, transformava-nos novamente em pessoas centradas na alegria como ela é, ao natural. 
 
Ela dizia, entre uma piada e outra – Fique triste mas não chore! Chorar vai lhe dar rugas.
 
Um passeio ao supermercado nos ensinou o MMB – Muito mais barato. A estratégia usada por Maitê é simples.
- Quero comprar latas de milho. Vamos ver o preço?
Alguns centavos a menos e outros a mais depois, Maitê escolheu a marca mais barata. Ela nos ensinou que o resultado é fantástico! O bolo de milho que ela fez para nós ficou perfeito, delicioso!
 
Enquanto fazia o bolo, ao ligar o liquidificador, ela nos contou que tinha uma amiga que era tão detalhista que todos os eletrodomésticos da casa eram limpos com perfeição, a ponto de ser usado um palito de fósforo para limpar os “caminhos” dos fios, que os tornavam, anos depois, com a aparência de saídos da loja naquele momento.
 
Em alguns instantes mais sérios, falamos de nossas dores. Ela contou as dela, que guardo no pensamento.  Eu falei das minhas, que insistem em permanecer, que me tornaram uma mulher mais calada e mais cautelosa. Maitê ouviu tudo com atenção e, como era de se esperar, ao dar-me boa noite disse, com a suavidade de voz de mãe, que Nossa Senhora me desse o alento e que meu coração se acalmasse, enquanto conversava com seu anjo de gaurda em voz alta.

Fechei meus olhos, guardei-os dentro de uma caixinha, mas inexplicavelmente o sono não veio. Nem poderia...

 


 
Bom domingo!
26 de setembro de 2010
Guarapari, ES
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 26/09/2010
Alterado em 29/12/2010


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