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Textos


Cantos gregorianos e samambaias
 

 
Uma casa não precisa de grande beleza estética. Uma casa completa tem algumas particularidades que fazem o conjunto do aconchego e conforto de estar (bem) dentro dela. O valor de um cristal tem o mesmo efeito numa peça igual, de vidro, se o que tem dentro dará o mesmo prazer de sorver a água limpa ou o vinho raro e com quem partilhamos nossa vida.


 
As Irmãs da Ordem de Santa Catarina vestiam uma túnica preta, com uma faixa branca sobre o peito para acolher o enorme terço em seus corpos. Na época do frio era bom, porque elas caminhavam com as mãos dentro das longas mangas, com dois objetivos; um era para a proteção do frio e outra era para demonstrar humildade. O colégio era enorme e tudo que me lembro dele é cada pedaço, até o chão tão encerado que me fez escorregar muitas vezes, deixando marcas roxas na minha pele branca. Torcia para que ninguém visse os meus tombos naqueles corredores longos. Com esta minha mania que querer conhecer tudo em detalhes, era natural que o medo de ser apanhada por uma das irmãs, principalmente a Irmã Superiora Letícia, fazia de mim uma eterna apressada. Eu queria conhecer os aposentos daquelas mulheres, como era o camisolão que usavam, se o colchão era confortável, se os travesseiros eram macios e se podiam usar dois ou três em volta do corpo, como eu. Nunca consegui entrar, porque um “aviso mental” dizia que a ultrapassagem era proibida, que elas chamavam de clausura.

A cozinha enorme era apenas uma visão de minha mente, porque não podíamos entrar também. Do lado de fora da enorme parede, havia um pequeno buraco que dava para olhar e dele ter a imagem de uma pequeníssima mulher, a irmãzinha cozinheira. Eu gritava “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”  e recebia de volta um “Para Sempre Seja Louvado” e com isso, ganhava o dia. Voltava pra casa feliz da vida! Outro dia fui visitar o buraco e descobri, para meu desapontamento, que foi tapado com massa de construção. Mas o contorno do buraco continua lá, intacto!

 


Uma das atividades das pequenas freiras - (não me lembro de mulheres altas, só umas duas ou três) - era acordar cedinho e cantar cantos gregorianos por algumas horas, dentro da capela que tinha uma mistura de cores tão intensas na minha visão que eu achava que lá já era uma parte do céu. Eu ficava num cantinho ouvindo aquele canto continuo e estranho, sem entender nem uma palavra sequer. Muitas coleguinhas odiavam aquilo e riam a valer das vozes estranhas e finas que emanavam das canções de oferenda a Deus. Se nada entendia hoje eu entendo e sei o valor do canto gregoriano na vida de muitas pessoas.




Na parte de cima da capela, havia o lugar para a apresentação do coral. Em cima do parapeito, uma dezena de samambaias choronas, com até três metros cada folha, caiam feito cascata sob a minha cabeça loura e fascinada. No meio das samambaias, uma flor que chamávamos de “flor de maio” contrastava o verde das folhas com as flores em cachos brancos e cor de rosa. Consigo visualizar a rotina de todas as freiras para manter a casa delas tão limpa e bonita, sem que nenhum apetrecho caro estivesse presente.


A ultima aula da semana terminava com a apresentação dos nossos dotes artísticos no grande salão de Artes e emprestada ao Grêmio Estudantil. Há pouco tempo, talvez nem três anos ainda, fiz um poema que ficou marcado em minha imaginação. Dei-lhe o nome de “Poema para a Chuva” – ouvindo cada tom da musica que eu costumava cantar em forma de seresta nas apresentações, não sem antes treinar com uma panela na boca para fazer a minha voz mais bonita.
 
Nem sei qual a razão que hoje acordei com samambaias, cantos gregorianos e imensos corredores no pensamento. Deve ser vontade de voltar a um tempo que se vai longe, apesar de estar muito vivo aqui dentro...





Nada retrata melhor o que sinto que a letra da musica de Lulu Santos, eternizada no meu coração como a canção que marca a minha vida para sempre.

“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia Tudo passa Tudo sempre passará ... A vida vem em ondas Como um mar Num indo e vindo infinito!  Tudo que se vê não é igual ao que a gente Viu há um segundo, tudo muda o tempo todo no mundo... Não adianta fugir nem mentir Pra si mesmo agora, há tanta vida lá fora,  aqui dentro sempre... Como uma onda no mar.”
 
 
Bom domingo, Nega!

Domingo de setembro de sol
Ilustrações pesquisa google

 
 
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 12/09/2010
Alterado em 29/12/2010


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