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Textos





O baile

 

 
“Valorizar as rugas e sentir o perfume dos salões de grandes bailes é um mergulho a um passado que sempre estará presente em cada um de nós.” – Sunny Lóra
 
 
 
Como eu sabia que não ia ao baile por ser muito menina, o jeito era ficar da janela da cozinha – onde a descida mansa das águas do Rio Timbuí atrapalhava os ouvidos e a música chegava bem baixinho, apesar de o clube social estar bem perto de nossa casa. O moinho de fubá nos acordava à noite e ficava bem atrás de nossa enorme varanda. A magia das suas águas fazia um efeito incrível em minhas fantasias de garotinha. Eu me imaginava com uma varinha de maestro, conduzindo o encontro de suas águas e nem sabia da existência de Dom Quixote e os Moinhos de Vento. Sabia, porém, que uma videira de uvas brancas e pretinhas morava bem pertinho do Velho Moinho. Seu dono, Carlos, um italiano belíssimo e sua esposa Virginia, tiveram o cuidado de preparar uma pequena calçada ao lado do moinho, onde poderíamos nos sentar e pescar os mandis e piabas à vontade. As minhocas estavam ali, do outro lado da ponte de madeira, bem à nossa espera, no enorme tapete de grama verde, que acolhia as roupas de todos os vizinhos, espalhadas lado a lado, para que o Sol fizesse a limpeza junto com o sabão de pedra.
 


Todos sabiam dos grandes bailes com muitos dias de antecedência. As moças corriam para comprar tecidos para os vestidos novos, lindos, de todas as cores. Colares de contas peroladas e algumas coloridas enfeitavam o pescoço das meninas. Dias mágicos de se usar brincos de pérolas, broches que imitavam luzes de diamantes. Os papelotes eram colocados nos cabelos bem cedinho. Algumas tinham os cabelos muito longos e faziam uma espécie de touca, que os tornavam mais lisos. Os sapatos eram limpos e as que tinham mais condições, corriam para comprar um par bem novinho. Rouges e batons de vermelho carmim nas senhoras casadas contrastavam com a cor de rosa tímida dos rostos já afogueados das mais jovens, coração batendo a mil e duzentas vezes por segundo.

Eu sempre dava um jeito de subir os longos degraus da escada do clube, para ver o pessoal decorando e ver o teste de som. Nessa hora eu era a própria Ginger Rogers no imenso salão, encerado e escovado com uma peça tão pesada que nem imaginava como as pessoas precisavam se cansar tanto para algumas horas de alegria e extremo prazer. O som das grandes orquestras me fascinava, como até hoje. Não conseguia entender como era feito o arranjo para que a música fosse formando os sons que ouvimos. Outro dia fui a um concerto da orquestra de Budapeste e tudo o que fiz foi separar cada um dos músicos em meus ouvidos e ouvir exatamente o som que emanava de cada um de seus instrumentos. Entender o que eu digo é muito fácil; é só soltar a sensibilidade pelos poros.
 
Um baile de grandes orquestras fazia em mim o mesmo efeito de emoção quanto ver a subida de noivas na escadaria da igreja.  Os sábados eram perfeitos e nunca havia ouvido falar de solidão ou chorar de saudade. Eu era uma princesa que fazia dos meus pensamentos o que desejava. Eu tinha uma caixinha de sapatos onde colocava os objetos que mais amava. Minha prima e madrinha Terezinha Sancio – esplendida pessoa – me dava os brincos, colares e broches que não usava mais. Eu me sentia uma princesa subindo os degraus da escadas do Clube, onde um príncipe lindo estava me esperando para dizer – e ficar, permanecer, manter, afirmar, vivenciar – que me amava.
 
Não deu tempo de participar dos bailes, quando eu cresci. Participei de uns cinco bailes em toda a minha vida. Dancei, mas não foi com o príncipe que eu sonhava. Logo segui o meu caminho, deixando aquela terra que amo para estudar a milhas e milhas de distancia. Nunca mais ouvi o som dos bailes. O velho moinho foi desmontado pela força de destruição que o progresso tem. Carlos e Virginia devem estar zangados se souberem o que restou do seu canto abençoado e belo...
 
Tenho todos os cd´s das grandes orquestras e danço tantas vezes quanto quiser, com o par que desejo enlaçar de rosto colado, ouço a música que quero e deixo o sonho ficar. Simples assim!


 
 
Bom domingo! 
 15 de agosto de dois mil e dez.

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 15/08/2010
Alterado em 29/12/2010


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