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Textos


 
Existe alguém do outro lado

 
 
As pipas sobem contra o vento e não com o vento. (John Neal)
 

 
A ultima vez que vi meu pai na janela de nossa casa foi há alguns anos, que hoje estão passando depressa demais.  O pequeno grande homem tinha uma sensibilidade de impressionar. Ele era muito reservado e por isso não participava muito das grandes festas da cidade, com exceção das religiosas. Somente fui atentar e entender esta ausência nas festas – e suas proibições, depois que ele já estava velhinho. Sua extraordinária simplicidade era uma mistura de tradição, herança genética e sabedoria. Não é necessário ser um homem culto e ter cursos de pós-graduação para mover o amor e a emoção na medida certa. Foi assim com o meu pai. Até na hora de nos deixar ele se foi calado, com os braços abertos para o encontro de alguém que nossos olhos não podem ver.
 
Quando eu vi um helicóptero rondando os céus de minha terra ontem de manhã, eu me lembrei imediatamente do choro incontido do papai ao ver os costumes dos imigrantes italianos na “Carretela del Vin”, apresentados em carros alegóricos enfeitados de Nonas e Nonos corados, crianças louras e lindas, a réplica da primeira casa na mata fechada, os jogos de baralho e truco nas noites frias de inverno, os políticos acenando com todas as mãos e sorrisos do alto dos carros. Os mais jovens apresentam danças folclóricas e cantoria, maltratando a nossa sensibilidade, quando gritam o “Bravo, Bravo, Bravo, Bravíssimo, Bravo!” – Somente quem tem uma janela como a nossa e  este sangue correndo quente nas veias sabe do que falo...
 
O imenso casarão de minha família abriga todos os filhos e suas famílias e muitos parentes e amigos.  Mamãe cozinha uma panela imensa de “agnolini”, a sopa italiana deliciosa para todos que entram e saem da casa.  Sempre rodeada dos netos, mamãe adora fazer um doce que chamamos de palha italiana”, cuja receita “dificílima” será apresentada ao final destes pensamentos.
 
Não pense que estou triste, que nada... É que quando bate a saudade ninguém me segura, nem o helicóptero da Policia Militar rondando o azul do céu de minha terra. Ao final de cada vez que vou estar com a minha família, volto com centenas de fotos de todos os momentos vividos. Fotografo até o choro incontido do pobre Rio Timbuí, esquecido e agredido. Estava fazendo uma limpeza no meu computador e descobri, entre surpresa e achando que sou totalmente maluca, que tenho exatamente mais de vinte mil fotos tiradas por mim e que não posso partilhar com todos que eu desejo, mas que meu pensamento registrou o exato momento (e minha respiração) de cada uma delas.
 
Existe alguém do outro lado sim. Cada um enxerga este alguém do jeito que sabe. A minha maneira de ver este outro lado está bem dentro de mim e não posso dar a receita... Mas a da “palha italiana” que minha mãe me ditou hoje cedinho.

 
Palha Italiana
 
Junte duas latas de leite condensado, uma colher grande de manteiga, duas colheres de chocolate em pó. Quando estiver em ponto de um brigadeiro, retire do fogo. Pegue alguns pacotes de biscoitos de maisena e esfarele cada um, colocando-os na panela. Mexa bem. Pegue o conteúdo da panela e espalhe em um tabuleiro beeeeeeeeeeeem grande. Quando estiver frio, corte em pequenos pedaços e dê um banho de açúcar neles.  Coloque dentro de um recipiente e espere, para sua alegria, que um dos netos comece a pedir-lhe uma palha. Ou que nós, os filhos, peguemos alguns pedaços e comemos até nos lambuzar...
 
Com pipas e janelas mescladas em saudade, bom domingo!
 
 
 
 

Na foto, Nega, no janelão - Tica e eu ( as três irmãs)
Agradeço a todos que torceram e rezaram pela recuperação de Nega, que volta a ser mais linda que antes!

 
 
 
 
 
 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 27/06/2010
Alterado em 29/12/2010


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