free web counter
Textos




 
Sempre aos Domingos
Amanhã é hoje!

 
Ainda que por alguns instantes, vou pegar o amanhã. (Sunny Lóra, Maio 30, 2010)
 
 
 
Ester já estava incomodada com minha ansiedade; eu não parava de falar e não a deixava assistir ao belo Encontro que estávamos fazendo parte. É isso que anda me incomodando; eu estou por demais ansiosa com este tal de amanhã; amanhã eu faço, amanhã serei melhor que ontem, amanhã as coisas serão diferentes, amanhã eu vou sorrir mais, amanhã eu vou começar a responder com palavras certas...

Por mais delicada que eu seja, está difícil conviver com este mundo de hoje. Mas eu não sou idosa... Sou ainda jovem dentro da minha maneira de ser alegre, amiga e muito extrovertida, se estiver dentro de um ambiente que eu conheça.

Daria “dez real” pra voltar a viver um pouco que fosse dos anos passados, nem tão longe assim. As pessoas talvez pensassem do mesmo modo que hoje, mas eram mais flexíveis, mais amorosas. Hoje moramos em lugares que tem sua beleza – qualquer lugar do mundo tem um pouco de belo, seja lá onde for; até no deserto. -  Já no elevador, encontramos gente triste, de cabeça baixa, não sai um sorriso nem se a gente lhes fizer cócegas!

Por isso, ontem eu decidi ficar um dia inteiro calada! Nem uma palavra sairia de minha boca. Eu pensei de uma maneira tão simples! Não ia ligar pra saber da Nega... Mas como vou saber como ela está? E se o telefone tocasse? Claro que não ia atender, porque sou muda hoje – que foi ontem...

No supermercado foi fácil. Fui colocando as coisas no carrinho, não pedi licença pra passar; afinal não tinha pressa! Fui empurrando o pequeno carrinho – não suporto aqueles imensos que dá para abastecer quinhentas Sunnys e trezentas Ninas. -  Coloco o pó de café, o açúcar (não agueeento gotinhas de adoçantes; prefiro tudo amargo a ter que usar essas gotas) torradas, requeijão light, sucos à base de soja, shampoo cheiroso – pra dar vazão a esta minha interminável vaidade feminina e vou pro caixa.

- Crédito?
Eu faço um sinal com a cabeça: é um não!
- Débito???
Outro sinal, agora o pescoço vira pra baixo.

Acho que ela entendeu. Pode ter me achado meio maluquete, mas não me importava mesmo! Estava decidida ao meu “dia de Calada.”

Bom, já se passavam quase seis horas sem dar uma palavra. Alerta aos sons que me chegavam, pude perceber o quanto é bom estar no silencio de mim mesma. Assisti “Coração Louco”, com Jeff Bridges, levando-me a um tempo que não tem volta. Já viu tempo ter volta?!

Estava compreendendo toda a sensibilidade das pessoas que eu via, dentro deste silencio maravilhoso que se instalou dentro de mim. Vejo a ternura do casal de idosos na feira; a dificuldade da Gláucia em sentar-se no seu caixa, colocado numa altura muito maior que a sua cadeira; aquele senhor vestido à paisana mas que eu sei muito bem que é um segurança; a mulher de batom vermelho tomando um café que dura intermináveis minutos para acabar; a reposição das frutas, legumes, as filas que nunca terminam.

Esqueci de dizer que o celular, este companheiro de “quase” todos os brasileiros, ficou no modo silencioso também. Se alguém me ligasse, hoje, depois do meu dia de calada, eu atenderia...

Uma turma de uns dez jovens entrou na feira com cartazes no peito: “Abraços grátis”. Eu fiz um sinalzinho. Vieram os oito (que eu contei silenciosamente, é claro) – e foram me abraçando, enquanto umas trinta lágrimas iam descendo, retirando o filtro solar do meu rosto branquela. No silencio abracei pessoas e fui abraçada. No silencio fiquei, até agora.

Pensando bem, acho que dá pra aguentar mais umas horinhas calada.
 
Bom domingo!
 
 
 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 30/05/2010
Alterado em 29/12/2010


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
art by kate weiss design
www.amordepoeira.com -- Academia Feminina Espirito Santense de Letras - AFESL -- www.afesl-es.ning.com