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Quero fazer cozinhado
 
 
“Relembrar experiências boas não significa que andamos para trás.” – Sunny Lóra
 

 
O morro tinha umas escadinhas feitas por nós, entre os pés de araçás, goiabinhas, laranjas e mexericas. Ficava ao lado da casa de Maria Luisa e Beth, a uns trinta metros da nossa. Quando chegávamos no seu topo, podíamos ver a cidade inteira e nos sentíamos donas do mundo. Nas poucas vezes que me permitiram fazer parte do cozinhado, eu adorei! Explico: eu era mais novinha que a turma e não era assim bem vinda, mas como eu desejava demais, algumas vezes elas me permitiam participar do encontro. Graças à insistência das coleguinhas Maria Luisa e Eloisa com as demais participantes do seleto clube,   tive o prazer de partilhar algumas daquelas tardes amenas, lindas.
 
Cada uma levava o que era necessário, dentro de uma sacola feita de pano, onde o inimigo plástico ainda não fazia parte de nossas vidas. Água, pó de café, uma xícara de arroz, chuchu, batatas, ovos, queijo parmesão, pão de casa, açúcar, - Já comeu farinha com açúcar? É uma delícia! -  macarrão, bananas, laranjas. As panelinhas eram as menores que havia na casa de nossos pais. Até hoje não entendo bem a razão das pequenas quantidades dos alimentos preparados. Comíamos em pires pequenos, com colheres minúsculas. Tudo era pouco demais nos cozinhados mas todas saboreavam aquela refeição como de fosse um manjar dos deuses.
 
O fogão era feito de duas pedras, uma ao lado da outra e bem no meio, era colocado o carvão. Levávamos fósforos e papel para que o carvão se tornasse uma chama de fogo que iria nos dar a comidinha especial. Cada uma tinha a sua tarefa e nada era combinado. Uma varria o chão de terra, outra fazia estradinhas com pequenas flores e pedrinhas, outra ainda arriscava uma pequena sombra, feita com os galhos de uma planta que eu nunca mais vi. Eram galhos enormes e lindos, de um verde incrivelmente bonito, que variava entre o escuro e o bem clarinho. Ainda vou descobrir o nome desta folha.  As formigas eram companheiras em todos os cozinhados. Em troca de não nos morder, as danadinhas se comportavam e parece que sabiam que, ao final, receberiam alguns grãos de arroz que caíriam no chão de terra.
 
Enquanto nosso alimento não ficava pronto, brincávamos de roda, de ferrinho! Nossa, o ferrinho era o brinquedo mais fascinante que eu tenho de lembrança! Tínhamos que encontrar um pedaço de terra bem úmido para que o jogo pudesse ter o seu valor e bem demarcado. Cada uma segurava um ferrinho e escolhido um ponto de partida (pra tudo há um começo...) – A disputa era jogar o ferrinho no chão, de maneira que ele ficasse fincado a uma distancia que era conquistada, a cada vez que ele era jogado. Marcava-se este “pedaço ganho” com a próxima tentativa, delimitando o que cada uma ganhava. Vencia quem chegasse ao ponto de chegada (pra tudo há uma chegada...) – Isso sem contar as vezes que o ferrinho não obedecia ao comando e se postava no chão, birrento, sem fincar-se na terra úmida - (para tudo há empecilhos para as vitórias...)
 
Os cata ventos coloridos eram os mais disputados. Amávamos aqueles pedaços de papel de revistas velhas, enrolados num pequeno palito de madeira, feitos pelo nossos amados irmãos Demo, que moravam ao lado, num barracão. Faziam outros brinquedos também, mas os cata ventos eram os principais personagens na nossa maneira de voar junto com os sonhos.
 
E depois, tinha as pernas de pau. Delas eu caí trocentas vezes. Não tenho nenhuma habilidade para trabalhar em um circo... Enquanto as coleguinhas andavam bem no alto, eu ficava de baixo olhando, com inveja de não poder me segurar naquele brinquedo intrigante e simples.
 
Finalmente o cozinhado ficou pronto! Sentávamos todas, uma ao lado da outra e saboreávamos a mais deliciosa refeição. Depois recolhíamos as panelinhas e apagávamos o fogo, deixando um monte de carocinhos de arroz para as amiguinhas formigas. Eu ficava tão feliz que ainda sinto a minha respiração daqueles momentos.
 
O gosto do “arroz de papa” ainda está aqui, junto com Maria Luisa, Tica, Eloisa, Beth, Nega, Nezi...
 
 



Bom domingo!
Imagens cedidas por KarinB.



 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 28/03/2010
Alterado em 29/12/2010


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