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O sótão quer brincar

 


 
“Se você acredita em sonhos, viva plenamente as suas fantasias.” – Sunny Lóra
 
 
Antes da mudança para o casarão, a madeira do teto teve que ser toda trocada. Eu adorava ficar “lá de cima” do sótão, vendo o trabalho incessante para preparar a nova moradia, aquela que passaria a ser nossa para sempre. As lembranças da nossa infância são muito vivas dentro de mim porque nós as vivemos plenamente; as verdadeiras e as de fantasia.
 
O sótão tornou-se meu refúgio por vários anos. O casarão foi dividido ao meio, com o mesmo número de cômodos para nós e para a família do tio Bernardo, irmão do papai. Lá os cheiros de café e comida se encontravam através de suas enormes paredes, para dois casais e um bando de crianças. De nosso lado, Nega, Tica, Sonia, Toni. Do outro, Casalberto, Nanci, Ademir. Depois, Paulo e Ronaldo vieram completar a turma. O sótão foi dividido ao meio, com um quarto de madeira para abrigar Casalberto e Ademir. Naquele lugar eram colocados os objetos que não mais eram usados. Como não tínhamos brinquedos, sempre encontrava algo para brincar. Uma das coisas de que eu mais gostava de fazer era sentar-me no topo da escada e ver o movimento dos trabalhos da casa “lá de cima”, cercada de porquinhos de chuchu, de folhas de livros e revistas antigos, (espetava palitos de fósforo nos chuchus e rapidamente ele ganhavam pernas, olhos e boca).
 
Dentre as dezenas de brincadeiras que tínhamos – queimada, ferrinho, pescaria, cantiga de roda, passa-anel e outros, ingressamos na carreira de atores e atrizes de primeira grandeza e o nosso palco era justamente o velho e amigo sótão!
 
Lençóis e colchas velhas transformavam-se em cortinas maravilhosas, folhas de bananeira e flores de buganvílias enfeitavam o palco, perfeitamente localizado no canto direito do lugar. Os assentos eram marcados com giz, em pequenos quadrados. Dava pra receber todos os amigos e artistas. Nos dias que tínhamos as apresentações, Nega começava logo cedo a ensaiar o seu número preferido, que consistia em cantar esta música e sua linda voz ecoava na casa, para nossa alegria. Uma das grandes marcas da Nega é que mesmo em situações difíceis, ela canta... até hoje!
 
“Vento que assovia no telhado
Chamando para a lua espiar
Vento que na beira lá da praia
Escutava o meu amor a cantar...”

 
 
Os amiguinhos iam chegando e logo uma platéia cheia de olhinhos felizes se amontoava no lugar. Cantos, danças, declamações. Era mágico... O espaço não tinha beleza, mas as dálias de todas as cores e galhos de coqueiros, bananeiras e outros faziam a grande diferença.
 
No sótão eu fiz os meus primeiros álbuns de fotografia, retiradas cuidadosamente de revistas velhas. Quando eu não sabia quem era, inventava nomes para todos. “Fábio Sabag” estava quase em todas as fotos de artistas que eu tinha, porque recortava as fotos e esquecia de pegar os nomes. Só vim a conhecer uma foto verdadeira do cineasta depois de muitos anos e eu não o achei bonito... De qualquer modo, este nome alimentou minhas fantasias de menina.
 
Eu ficava fascinada com os lençóis lavados e pendurados no sótão. De um lado, os nossos. De outro, os de nossos tios. Sorrateiramente eu descia pela escada da tia e ia até a sua cozinha. Com “carinha de quem não se pode negar de jeito nenhum”, tia Minhota me dava uma fatia de pão francês que ela colocava no forno, mas antes fazia uma pasta incrivelmente boa, que era assim : queijo parmezon ralado em casa, nata de leite, uma colher de manteiga, orégano para salpicar. Passava abundantemente esta pasta sobre o pão e quando os grandes bandejões saiam do forno do fogão de lenha, a gente babava com as suas invenções culinárias. Eu não me conformava que quem ia comer esta delícia eram os fregueses do Bar Elite, do papai e do tio. Do outro lado da casa,  nossa mãe começava a carreira de doceira, uma verdadeira artista em bolos de aniversários e casamentos. Posso sentir o cheiro de glacê, enquanto escrevo dentro de uma sinusite, que teima em ficar aqui por quase dez dias.
 
Subindo e descendo escadas do sótão, um elo foi mantido por muitos anos. O meu continua aqui...




Ilustração do Google
BOM DOMINGO, Acas!


Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 14/03/2010
Alterado em 29/12/2010


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