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Textos

Telhado de Zinco


 
Todas as semanas, por três vezes durante uma hora,  eu participo de terapia corporal em uma academia. Escolhi a natação, pra que eu possa vencer o medo da água, que me persegue desde que cai de cabeça pra baixo, quando as mãos amorosas de minha irmã Nega escorregaram e eu caí de tibum dentro de um pequeno tanque.

Eu ficava sentadinha em cima do tanque e adorava ver o sabão passeando por cima das roupas, tirando manchas e sujeira. Achamos graça até hoje e por mais incrível que possa parecer, eu me lembro perfeitamente do tanque, do lado de fora da casa de nossa avó; tão nítido para mim que vejo o limo e a tábua de madeira que servia de tapete para nossos pés.

 
Neste lugar, a Unissoma – adoro este nome -  convivo com pessoas engraçadas, interessantes, amigas. Outros são mais quietos. Eu sou muito centrada nos exercícios físicos, onde dois pesos em cada perna me embalam e me carregam, pacientemente, dentro da enorme piscina. Aceito numa boa o peso, que tem três cores. Azul, para iniciantes, amarelo, para os intermediários e rosa para os que suportam mais peso. Eu estou orgulhosa do meu amarelo!
 
Faço “visitas” aos demais participantes e dou-lhes o meu melhor sorriso, sempre, mesmo que esteja triste. Nunca me lembro de levar a touca para os cabelos e preciso sempre de pedir emprestado ao querido e engraçado professor, esperto e controlador. Como sabe que eu tento enganá-lo na contagem dos exercícios, isto é um mistério. Somos cinco na natação terapeutica, como ele a chama, cada um no seu lugar específico dentro da piscina, mas ele dá conta, sim!
 
Um temporal forte veio nesta sexta-feira, exatamente na hora da aula. Fiquei apavorada com o barulho que vinha do teto, que não é de zinco e sim de outro material, tão barulhento quanto. Meus olhos se fixavam no meu amigo do lado, que também demonstrava medo. Enquanto a chuva torrencial caía, um cheiro de chá de erva cidreira tomava o local inteiro. Isso me levou a lembranças...tão boas. Fechei os olhos e as letras começaram a se formar...
 
Estranho que o teto de zinco de nossa casa não nos dava medo e o barulho das folhas recebendo chuva forte aumentava ainda mais o aconchego. Fazíamos uma fila nas asas de nossa mãe. A folha de zinco era usada na maioria das casas de minha infância. Nem se cogitava os telhados coloniais lindos, que foram tomando lugar nos casarões. As folhas de zinco eram teimosas e com o vento saiam voando pelos céus da cidade. Quando a chuva batia com muita força, fazia um buraco na folha e abria uma goteira enorme no meio da sala. Corríamos para pegar baldes e panelas para receber a água da chuva. As adversidades eram enfrentadas com bom humor...
 
Ficávamos felizes pelo barulho enorme e a proteção que recebíamos dentro de nossa casa simples. A casa ficava com cheiro de canela e açúcar, provocado pelos bolinhos de chuva que nossa mãe fazia, receita recebida hoje cedinho, através da conversa diária na net, entre a Nega e eu : dois ovos, uma xícara de leite, três colheres de açúcar, uma pitada de sal, trigo para dar a liga. Frigideira quente, a massa era colocada em colheradas. O branquinho ia tomando a cor dourada e isso nos fascinava e enchia nossos olhos... Depois, mamãe espalhava uma mistura de açúcar e canela por cima dos bolinhos, que eram vigorosamente devorados por cinco pares de alegres mãozinhas, com café fumegante.
 
Sei que a saudade boa, aquela que tem formas e cores, é algo que deve ser recordado com muito amor, nem que para isso tenhamos que ouvir o barulho da chuva forte em nosso telhado de zinco...
 
 


Bom domingo!
Imagem do Google

 
 
 
 




Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 07/03/2010
Alterado em 29/12/2010


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