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Quando eu amanhecia amando

 
 
“Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.” – Adélia Prado

 
 
Nunca pensei que pudesse fazer outra coisa na vida que não fosse ser uma grande advogada. Com dez anos já tinha certeza que eu usaria uma toga e seria juíza. Pensava que pudesse julgar as pessoas, determinar o destino delas...  E pra isso era necessário muito estudo. Meu pai tinha muito orgulho da pequena dele. Papai era rude, simples de doer e extremamente seguidor de sua religiosidade. Seu prazer era a igreja e a família. Se todos passavam de ano, um sorriso aparecia em sua face bonita. E seu sonho foi realizado com um médico, um dentista, uma advogada, uma escritora e uma professora.
 
Eu estudei para “adevogada” e ganhei um diploma. Estudei com afinco e com dificuldade;  muitas vezes fui à pé para a faculdade, com lama até nos cabelos. Se eu podia, almoçava no restaurante universitário e até hoje eu sinto o gosto da sopa que era servida. Eu amanhecia amando... Amava o mundo. O mundo era meu, apenas, dona absoluta de “tudo” que eu tinha.
 
O tempo foi responsável por me levar a outra profissão, não menos gratificante que a de advocacia. A minha carreira na Vara de Órfãos e Sucessões foi interrompida por uma necessidade, da qual não me arrependo nem um milímetro. Meu pai ficou doente e a única filha que morava na cidade grande era eu. Ficou quatro meses num hospital. Eu, envergonhada e extremamente inocente, pedi exoneração de minha função. Com isso, a toga que eu sonhei ficou para mais tarde, de outra maneira, em forma de “opa” (*).
 
A vida fez de mim uma fazedora de sonhos, onde as letras passaram a ser grande companhia. Quem diz que as nossas dores podem ser curadas com longas sessões de psicoterapia e outros afins,  não deixa de ter suas razões... mas as letras foram responsáveis por tudo que eu me tornei, quando eu amanhecia amando...Foram as letras que ensinaram a caminhar (melhor). Elas me fizeram descobrir os muitos “eus”  que moram aqui dentro.
 
Plantei muitas árvores, tirei folhas secas das plantinhas, escrevi vários livros, apreciei o por do sol trezentas mil vezes, à espera da Lua, que me encobre cada fio de penugem da minha pele alva. Li centenas de livros; chorei e ri com eles. Assisti todos os filmes disponíveis nas locadoras e nos cinemas. Comprei muitos cães, dois de cada vez. Ia dormir amando os bichinhos e acordava amando mais ainda. Tive meus filhos amados, ri demais com eles, levei-os à escola, circo e parquinho e chorei lágrimas de dor e saudade. Ah, fui boa notícia de jornal...
 
Eu me emocionei com minha história de amor. Mas forte que ela só a do vizinho, do colega, da amiga, de todas as pessoas do mundo! Eu amanhecia amando... Hoje eu fico a pensar... que bom ter estudado... Que bom poder ter dado mais beleza ao amor imenso que eu tive. Que bom eu pude apreciar as  mãos do meu príncipe. Que bom eu pude ser abraçada por ele, rido e chorado com as suas manias.Que bom Deus me deu a chance de amanhecer amando!
 
Assim continuo, descobrindo, a cada dia, quem é a pessoa mais importante da minha vida. Eu me dou presentes, vejo as rugas aparecendo e as bendigo, durmo a noite inteira esparramada numa cama (imensa) comprada especialmente para os meus um metro e cinqüenta e um de tamanho. Rezo alto, choro, rio, converso com as plantas, brinco com a Nina. Amo demais a vida.
 
Hoje eu amanheci amando demais...



Bom sábado!
 
* Opa - sf (cast hopa) 1 Espécie de capa sem mangas, usada em atos solenes.
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 23/01/2010
Alterado em 29/12/2010


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