Por quem eu choro hoje Ela era especial. De beleza diferente, o que eu mais gostava nela eram os dentes, a boca e o sorriso, que andavam lado a lado, mesmo nos dias mais difíceis. Eu teria que fazer um esforço enorme pra dizer o que foi fácil na vida de minha grande amiga. Não me cabe aqui contar sua vida. Eu nem poderia, seria fora de propósito escrever sobre alguém que eu amava tanto. Ela tinha uma rotina que era perfeita. Não perdia um segundo do seu dia, que raramente a incluía como gente que também existia. Acordava cedinho, cuidava dos quatro filhos – um adolescente, uma menina de seis e gêmeos de quatro anos. Nunca se importou consigo mesma : sua vida girava em torno da família e da grande paixão pela mãe. Costumava dar o melhor de si para todos. Nunca vi minha amiga com um vestido novo. Usava uniforme todo o tempo. A única vaidade que tinha eram as unhas e os lábios, impecável e cuidadosamente pintados por ela mesma. Os cabelos de brilhos encaracolados eram naturais. Eu a esperava exatamente às onze e meia para o almoço. Contávamos nossas experiências, alegrias e tristezas. Uma coisa era certa : de nosso almoço não haveria espaço pra sobremesa. Ela recolhia o que tivesse de sobras e as arrumava nos guardanapos, feliz da vida. Eu conseguia ver a cena : os pequeninos esperando a mamãe à porta de casa, todos os dias. A maçã que a mamãe levava era a mais deliciosa das frutas. Algumas vezes eu ia com ela, só pra ter o prazer de ver os olhos dos dois menininhos – pura alegria! Depois do almoço, exatamente às 12:54hs, ela voltava para o trabalho. Lábios pintados, sorriso no rosto e dentes da cor da neve. Lindos! Um dia resolveu estudar de novo, com a ajuda de nossa querida empresa. Escolheu o curso de Pedagogia, onde eu passei a “cursar” junto, porque os trabalhos da Faculdade tinham, na sua maioria, o meu toque. Não porque eu soubesse alguma coisa - mas pelo prazer de ajudar a minha amiga, cheia de planos para uma vida melhor. Quando ela tinha algum problema, era rindo que os enfrentava. Era a pessoa mais dissimulada (*) que eu já vi em toda a minha vida. E foi sorrindo que chamou-me ao banheiro. Desta vez o sorriso desapareceu e dois olhos assustados me questionavam, como se eu pudesse fazer um "milagre", como tantas vezes fiz, nos anos que fomos amigas. - “Choinha”, eu acho que se enganaram nos meus exames este ano... Olha isso... Eu olhei e fiquei muda. Você não precisa ser laboratorista pra entender os exames – existe uma tabela pra ser comparada que faz com que você se torne médico de uma hora pra outra. Eu disse que ia ligar pro médico amigo nosso. Ligamos. Ele veio ao nosso encontro. Da sala de trabalho, minha amiga foi levada para o hospital, “para exames complementares”. Seis meses depois, meus pés não me obedeciam para chegar perto dela. Prometo que hoje eu irei levar algumas flores e sentar-me ao seu lado.
Vou contar tudo que aconteceu comigo nestes cinco anos sem você, minha amiga querida. Tantas coisas... tantas! (*)
dis.si.mu.lar
(lat dissimulare) vtd 1 Não dar a perceber; calar: Dissimulou o seu despeito. vint 2Não revelar seus sentimentos ou desígnios; ter reserva: Ela sabia dissimular. vtd 3 Não deixar aparecer; ocultar, disfarçar, encobrir.... 4 Afetar com artifício; fingir: Dissimular indiferença. vtd 5 Atenuar o efeito de: Dissimular culpas. vti 6 Usar de dissimulação: Dissimular sobre algo. Dissimular com alguém. vpr 7 Esconder-se, ocultar-se... Novembro, dia dois, dois mil e nove. 
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 02/11/2009
Alterado em 30/12/2010
