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Textos



Tunin da Mália, o vendedor de bananas



 
Eu tive uma infância cercada de pessoas e fatos exóticos. Acho também, que tive muita sorte de conhecer estas pessoas. Eram simples demais... Lembro com carinho de cada uma delas.
 
Entre dezenas de criaturas que pareciam sair de contos de sonhos, conheci o Tunin da Mália. Este
era o seu nome. Mália era sua mãe. Não me lembro dela, mas acho que ela amava o seu Tunin tanto, que lhe deu o seu nome junto ao dele. Dono de uma voz fina e muito alta, Tunin da Mália, aquele homem magro, quando chegava, de longe já se sabia que era ele.

Com um saco de bananas nas costas ele as oferecia para as donas de casa e comerciantes. Vinha com suas calças curtas de tecido grosseiro, usava largos suspensórios e sempre descalço.

 

Seu bordão pra vender as bananas era engraçado. Se bem que eu não entendia bem, mas enfim, achava legal!
 
Ele dizia:
 
Porca putana, qué comprá banana?


Nunca ouvi alguém censurá-lo por isto. Acho que pra época era certo! As pessoas compravam suas bananas, pagavam e ele, todo feliz, ia até o armazém de nosso pai comprar um pedaço de fumo de rolo, para pitar um cigarrinho de palha.
 
Ficava proseando com papai, até que dava a hora do almoço. Mamãe sempre fazia c
omida de sobra, pois sabia que o papai sempre trazia visitas inesperadas. E não dava outra, o Tunin seria o convidado de honra para o almoço com nossa família. Isto uma vez por semana! Chegando lá em casa, colocava o saco já vazio no chão, o cigarrinho atrás da orelha,  cujo odor me dava medo - depois de apagá-lo na língua!!!
 
Com a cadeira distante da mesa quase um metro, sentava-se para comer aquela saborosa comida, que no final sobrava mais pro chão do que caia na sua boca. Eu não sei como fazia, mas antes de preparar o prato ele tirava umas dez pimentas vermelhas do vidro que nossa mãe curtia no azeite. Amassava no prato que, por sua vez, ficava vermelho. Para tal usava o garfo só pra i
sto!
 
Eu, nos meus poucos anos, não podia entender como alguém comia aquilo tão ardente. Eu sabia que ardia, porque certa vez colhi algumas e quase morri, com os olhos em fogo!!! Mas Tunin da Mália colocava por cima deste purê de pimenta, umas boas conchas de feijão e muita farinha. Misturava o arroz, carne e outr
os pratos servidos no almoço. O mais interessante que ele não usava talheres, era na base das mãos mesmo. Fazia bolinhas de comida e jogava na boca. Eu achava aquilo tudo muito diferente. E achava também muito estranho, porque papai não chamava atenção dele... pois nós, seus filhos, tínhamos que lavar as mãos e comíamos com garfos, tudo certinho.
 
Os dois, Tunin da Malia e papai, não davam uma só palavra durante todo o almoço. Papai não puxava conversa nem Tunin
nada falava! Acho que papai ficava quieto enquanto ele comia porque não queria que o Tunin deixasse cair a comida... mais do que já era espalhada, formando um tapete pelo chão da cozinha limpa de nossa casa.

Quando acabava o almoço, sempre tinha bananas como sobremesa. (as mesmas que ele mesmo havia vendido pra mamãe).  Ele comia umas quatro, tomava água e ia embora, pro comércio do papai de novo.  Claro que papai oferecia café e pedia à mamãe que colocasse pão na sacola pro Tunin levar.

 

Eu não gostava muito do almoço com o Tunin, porque depois eu tinha que varrer a lambança que ele fazia...
 
Quantos Tunins que existem por aí, precisando da ajuda de uma pessoa como nosso pai! Agora entendo que o papai fazia caridade e nem notava! Agora entendo porque não sou capaz
de negar comida para ninguém. Se não tiver pronta, vou para o fogão fazer. Acho que nosso pai deixou em mim o dom da caridade, a mesma que ele tinha para com o Tunin da Malia, Filadelpho, Colodino, o Gazzolli e tantos outros. Tenho certeza que lá junto de Nosso Pai do Céu, nosso pai sente orgulho da semente que plantou em meu coração!
 
Ah ...E agora nosso pai e o Tunin da Mália estão proseando e morrendo de rir dos meus olhos assustados, num canto da cozinha, enquanto eles se fartavam com os almoços inesquecíveis que tiveram aqui na terra.
 
 
Maria Cecília Sancio Loss “Contos de Saudade” é livro em edição, com lançamento previsto para final de 2009, feito a quatro mãos : as de minha irmã e as minhas...
 

Imagem: Google Search - moldura by Sunny
Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 29/08/2009
Alterado em 20/10/2011


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