free web counter
Textos


(Para a série "Sábado é dia de Prosa")

Italianamente Pedro

 




Pedro Zapani-  era seu nome.

Italiano, daqueles turrões! Vestia uma calça engraçada e segura por suspensórios de tecido, camisa larga e sempre de mangas compridas de cor caqui, como a calça.
Tinha alguns dentes fujões e gostava muito de conversar.

Se alguém quisesse saber as coisas da pequena cidade, de vidas vividas,( ou não) de amigos distantes e de perto, era só encostar em Pedro para uma prosa. Era diversão na certa!


Vivia em sua casa grande, na nossa rua, a poucos metros do nosso velho casarão, com a esposa Nina. Sua irmã Nina (também), morava pertinho e acordava cedo pra passar o dia com eles. Nos fundos tinha um morro, onde cultivava flores e frutos. Os pés de jabuticabas estão lá até hoje, para alegria da molecada... que agora, como não são mais vigiados; fica mais fácil degustar as negras e deliciosas frutinhas sem o nosso amigo nos supervisionando.

Na horta bem cuidada, plantava de tudo um pouco. Vendia os melhores caquis que já comemos na vida. Eram tirados ainda verdes da imensa árvore e com carinho, ele os colocava em grandes fileiras, tomando conta para que amadurecessem. Alface, raditio, couve, cebolinha e muitas outras verduras eram plantadas e colhidas para venda. Achamos que ele foi o primeiro feirante daqui da nossa pequena Santa Teresa – hoje uma cidade histórica, bela, deslumbrante de matas, orquídeas e beija-flores, de crianças, jovens e adultos de lindos olhos claros e cabelos tal espigas de milho.

Era também ele que fazia os arranjos de flores para casamentos e festas. Ele  embalava as flores de um modo especial com um tipo de folha larga e aberta, fazia um amarrado e mandava de ônibus para Vitória e outros lugares. Foi dele também a primeira floricultura, mas a gente nem sabia, só sabíamos que ele vendia flores e cuidava com muito carinho delas. Na verdade, nem sabíamos o que era uma floricultura. Tudo que queríamos entender era como as flores brotavam da noite pro dia, com imensos canteiros – mas eram sempre os mesmos, floridos...  Achamos que Deus ia lá de noite e as fazia brotar.

Gérberas e avencas colhidas fresquinhas, que eram colocadas em nossa sala de estar por
Nega, nossa irmã, com uma alegria tão pura que seus imensos olhos verdes sobressaiam dentre os seus longos cabelos louros. Eram essas mesmas flores que enfeitavam todos os sábados a velha mesa da sala de nossa mãe. Os sábados eram especiais na limpeza da casa. Nega trabalhava incansavelmente, de sol a sol. Cuidava de tudo, enquanto sonhava com as gérberas e avencas e todos os outros campos de flores de outros países, que ainda deseja (e vai) conhecer.
 
O cheiro de óleo de peroba era a certeza que tudo estava pronto para o domingo; o chão escovado, a roupa estendida no sótão (lavada á mão, com sabão em pedra, sim).


Divagações à parte, voltemos ao Pedro...Sempre achamos algo diferente na alimentação dele. Dona Nina,sua esposa, era a cozinheira: Sem mudar nadinha, todos os dias: ovo frito, polenta e raditio. Nunca foi visto outro cardápio, senão este, em sua casa.

Dona Nina era uma mulher muito religiosa, ele não. Costumava dizer para os amigos:

- "Toi, si non ixistere el céilo, que chavada a Nina, poreta" 

 -  (Toi = você) Se não existisse o céu, que fora a Nina vai levar, coitada!


Mas ela não ligava! Continuava rezando!
Num domingo de Páscoa, depois do almoço, quando recebia sua irmã Nina, (tinha o mesmo nome da esposa) quem preparou o almoço daqueles, com agnoline, macarrão, galinha e tudo que tinha direito, num domingo de festa, seu Pedro resolveu morrer.

Não tinha polenta, nem raditio, nem ovo frito... E partiu...deixando a cidade inteira triste, porque  as suas flores, as verduras e os frutos não mais seriam cuidadas por ele. E não deu outra...


A casa foi passada para os herdeiros e depois vendida. Acabou-se o velho Pedro e sua casa, seu morro. O pé de caqui, que tanto amávamos,o melhor do mundo, foi cortado, para dar lugar a uma cozinha maior. O morro foi enchendo de mato e as flores morreram, só as jabuticabeiras é que insistem e resistem ao tempo. Em sua horta hoje, há uma garagem para vários carros.

E assim acabou a grande casa do velho Pedro, que hoje ainda existe, mas não mais cuidada como na época em que ele fazia parte dela. Quem a conhece, sabe que aquela casa era bonita em sua arquitetura e ainda mantém os traços originais.

O amor do velho Pedro pela antiga casa morreu com ele. Nossa rua é bonita e cheia de casarões como o que lhe pertenceu. Quem nos dera que quando os "Pedros" de hoje se forem, continuassem a cuidar com carinho do espaço onde foram felizes!

Tudo em nome do progresso...
 
Maria Cecília Sancio Lóss
(pitaquinho do tamanho de um alfinete da Sunny Lóra)


Foto: by Sunny- 2009
Nossa Rua - Santa Teresa - ES
(Juramos que a casa do Seu Pedro está lá!)





Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 15/08/2009
Alterado em 20/10/2011


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
art by kate weiss design
www.amordepoeira.com -- Academia Feminina Espirito Santense de Letras - AFESL -- www.afesl-es.ning.com