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Textos




“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos se não fora a presença distante das estrelas.”
Mario Quintana, poeta – 1906-1994
 
 
Terceira idade : A Fila anda
Sunny Lóra

 
 
Desde muito criança eu nutro um carinho especial pelos idosos. A mesma fascinação que eu sinto ao ver um bebê de colo é aquela ao olhar para um idoso. Imagino eu... este bebê de olhos azuis, lindo de viver, terá toda uma vida pela frente: vai aprender a andar, ler, escrever, amar, odiar, competir, ter filhos, ajudar. E a vida vai passar num piscar de olhos! Quantas são as lições que tiramos dos mais velhos!
 
Minha irmã ontem me disse que se sentiu sozinha, ao lado de seu esposo e nossa mãe, ao sair de um restaurante.Ela não soube explicar a sensação que tomou conta dela. Responsabilidade, temor, amor demais... Nossa mãe estará com 84 anos daqui a alguns dias. Nunca ouvimos falar que ela tenha se valido da condição de idosa para passar por cima de ninguém. Pelo contrário, mamãe é uma mulher guerreira, que criou cinco filhos com muita dificuldade, sempre ao lado de nosso pai. Ao mesmo tempo, é tímida e exigente na escolha de amizades.  Tem seus problemas de saúde, que existem de longa data, mas consegue driblá-los com dignidade... e bem sabemos o quanto são desconfortáveis e dolorosos. Na fila do banco, humilde e calada,  ela fica exatamente atrás do ultimo que chegou. Em pouco tempo, uma mão gentil a leva até o caixa.
 
Uma das atividades que eu aprecio muito é visitar o Asilo dos Velhos, bem pertinho daqui, onde sempre levo revistas, biscoitos e livros. São 87 velhinhos simpáticos, alguns quietos demais, outros extremamente sociáveis e espertos. Uma delas chama-me a atenção. É extremamente simpática!. Sabe de tudo que ocorre no mundo e adora assistir novelas. Seu olhar é de carinho e amor puros. Nunca reclamou da solidão que sente porque a família se afastou dela. Adora dançar e ainda sonha com um namorado – “Não demora a chegar!”-  diz ela, com um olhar de esperança.
 
Existe um outro lado da terceira idade que faço questão de ajudar : as filas. De bancos, de remédios, de supermercados... Eu me sinto feliz ao segurar-lhes as mãos, muitas vezes sem muita coordenação motora. Como o número de idosos tem crescido no Brasil... experimente prestar atenção! É lindo vê-los em todos os lugares, sorridentes e levando no seu corpo toda a sua experiencia vivida. Tanto a nos ensinar...
 
Ontem chovia muito. Aproveitei para ir a um supermercado bem perto daqui. É um dos melhores da cidade e conseguir uma vaga no estacionamento, seja na garagem ou do lado de fora, é tarefa de paciência! Depois de dar três voltas no quarteirão, finalmente vi um carro que ia ceder a vaga. Parei bem no cantinho da rua, sinalizei e fiquei esperando. Enquanto o ajudante colocava suas compras no carro, a senhora falava ao celular. Comecei a me inquietar... afinal, já haviam se passado cinco minutos e nada... e atrás de mim, apesar de ter deixado livre o lado direito da rua, havia uma fila...
 
Não demorou muito e as buzinas começaram. Fiquei assustada com a agressividade de um senhor, do outro lado da rua, em sentido contrário. Não sabia o que fazer, mas ainda me restava a esperança que a senhora logo sairia com o seu carro. Fiz sinal pra ele que me esperasse um "tiquinho". Mais dois minutos e nada... De repente, um carro parou do meu lado, fechando totalmente a rua. Dele saiu este senhor e veio diretamente a mim.
 
- Senhorinha, pode ir embora. Quem vai entrar nesta vaga sou eu! É direito meu, não vê? Se manda!
 
Humilhada e com lágrimas nos olhos, vim embora de mãos vazias, sem sequer entender o por que de tanta agressividade. Não sei responder... não sei mesmo.
 
A fila anda, sim. Daqui a alguns anos estarei idosa também. Mas se eu tiver que tratar as pessoas de maneira deselegante e passar por cima delas, vou certamente preferir ficar em casa.
 
Por que escrevi Quintana no início desta crônica? Porque quando queremos algo inatingível, ficamos com as estrelas.
 

Bom domingo!
 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 03/05/2009
Alterado em 03/01/2011


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