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Textos


Meu rio encantado
 

 
 
Lembro de você, meu pequeno Timbui... eu nasci olhando você! Corria livre e diziam que corria pro mar. Eu não acreditava nisto, achava que você morria lá longe, no meio da mata... Eu não conhecia o mar... Eu só sabia que você corria, corria levando a flor, cheirando a flor, aquela ... A flor de lírio do campo. Era branca como aquela da passagem da Bíblia, aquela de Salomão. Suas margens eram carregadas dessas flores, cheirosas.... lindas.
 
Fecho os olhos e escuto nitidamente seu barulhinho gostoso... Eu me lembro bem que no alto de minha rua, você caía como mágica e descia majestoso sobre as pedras e formava uma cachoeira que corria de encontro à pequena cidade. Lá de onde você começa a cair, havia uma fábrica de móveis e algumas comportas, como se fossem barragens e todos os dias eram fechadas, por pouco tempo, para armazenar as suas águas, para que essas, a seu tempo, tocassem as rústicas máquinas.
 
Enquanto as suas águas eram barradas, os meninos de nossa rua faziam festa dentro de você, descalços e com  suas mãos, pegavam peixes, que você (esperto rio...) os escondia em suas locas de pedras. Era uma festa!  Todos que moravam ao seu lado paravam para expiar o acontecimento. Parecia novidade, mas era, na verdade, um ritual diário e encantador!
 
Eu tinha uma amiga, a Popa, éramos almas gêmeas. Ficávamos horas sentadas numas tábuas gentilmente colocadas à sua margem. Eu era a babá de meu irmão Toninho e numa tarde de inverno, sentados, fascinados olhando você correr, caímos os três, depois de uma dessas tábuas se despregar, que custou um belo corte no queixo de  minha amiga e uma bronca daquelas. Mas foi divertido, isso foi! Acho que você riu de nós, se é que rio pode rir...
 
Da minha janela eu via um moinho grande, o moinho do Sr. Carlos Caser, um imigrante italiano, que recebia os vizinhos e amigos para moer o milho e transformá-lo no fubá da sagrada polenta de todo dia. Era lindo, a roda fazia um barulho, quando você a tocava com suas águas. As margens, ao lado do moinho, eram cobertas de avencas fresquinhas como folhas de alface, pronta para ser servida num almoço de domingo.
 
Você era puro, meu rio querido, graças ao Sr. Augusto Piffer, grande amigo do papai Primo, que cuidava para não lhe poluíssem. Acho que ele nem sabia, como eu, o que era poluição. Ah,  não sabia mesmo... mas ele tinha uma varinha mágica que carregava consigo, que servia de alerta para os mal intencionados. Bem à sua margem, ao lado do moinho, havia uma parreira de uvas que hoje foi substituída por uma imensa rua. As uvas colhidas eram docinhas e todos os tipos de doces eram feitos pelas nossa mãe – as geléias eram especiais e até hoje sinto o seu sabor.
 
Você ficou perdido bem lá embaixo desta rua... Era uma sensação incrível sair à cata de minhocas para os nossos anzóis, onde pescávamos mandis e piabas...
 
Suas águas eram fortes e faziam barulho quando passavam, hoje você tem sede...  E você, meu velho Timbuí, hoje agoniza e seu fim está muito perto...Basta olhar pra você... Ao invés das crianças pegando peixes que você guardava nas locas, hoje dentro de você, existe sujeira, que ninguém se atreve a pisá-lo. Ao invés do cheiro dos lírios do campo, você exala um terrível mau cheiro, de lixos que são jogados ao longo do seu leito. E quando você se zanga, suas águas invadem casas, ruas, praças e fazem nosso coração ficar muito tristes.
 
Sabe, meu velho Timbuí, apesar de hoje correr ao seu lado,  rede de esgoto, (que duvido de sua existência) ...e carros grandes colhendo o lixo da cidade, é dentro de você que pessoas de coração duro e  sujo  despejam o lixo. Dá-me pena que hoje não posso tomar mais aquele banho escondido dentro de você.  A mamãe dizia que banho de ria dava gripe.  Acho que você me protegia, nunca gripei!
 
Perdão, meu velho Timbuí,  por nada poder fazer para curá-lo deste imenso dodói ...Que pena! Não tenho nas mãos o poder de um velho Augusto Piffer!
 
 
(Texto escrito por Maria Cecília Sancio Lóss, com uma pitada de parceria da Sunny, mais uma apaixonada pelo Rio Timbuí).
 
 
 

Foto: nascente do Rio Timbui, fonte Google Picasa


Timbui significa  pequeno gambá, gambá da água (fonte: Sr.Angelo Zurlo, historiador de Santa Teresa - ES)






Observação : Este texto (somente da parte que foi escrita pela minha irmã Cecília,foi publicado no Jornal "A voz da Montanha", tendo recebido muito elogios! Eu me orgulho demais da sensibilidade de minha irmã em suas escritas.

(Direitos reservados à Maria Cecília Sancio Lóss.)

Vitoria, 6 de junho de 2009
Sonia Rita Sancio Lóra
 
 
 
 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 06/03/2009
Alterado em 31/07/2010


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