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Textos


Os cataventos e a sopa de “taiadella”
 
 
Morávamos na ladeira da igreja. A casa tornou-se patrimônio histórico. É linda, foi reformada por dentro e mantida tal e qual era, por fora. Continua com a nossa família, através de um tio muito querido, o seresteiro Nelson.
 
Quando morávamos nela, o chão era de cimento e havia um fogão de lenha que eu amava demais, apesar de ser muito criança. Atrás da cozinha, havia um longo corredor de terra, separando um morro, com outra casa edificada bem acima da nossa. Este morro era um dos motivos de muitas tardes de longos suspiros, imenso carinho e ternura... Avencas e pequenas flores nasciam de dentro dele, numa velocidade incrível. Era lindo demais.
 
Os vizinhos eram como parte da família. Dentre eles, havia dois velhinhos, irmãos. Dhemo era o sobrenome deles. Eles habitavam uma velha casa, um pouco pra cima da nossa. Cheirava a coisas muito velhas, gastas pelo tempo, assim como eles. Quando eram jovens eram alfaiates e nunca se casaram. Com o tempo, pararam de costurar e só faziam casinhas de botões para as costureiras da cidade... Pra nossa mãe também, que costurava nossas roupas, a maioria de chita e flanela.
 
Uma das coisas mais lindas de nossa infância eram os cataventos feitos pelos dois. Retiravam as páginas de velhas revistas, montavam os cataventos com perfeição e davam paras as crianças. Sempre tínhamos um desse bonito brinquedo nas mãos, rolando ao vento... era fascinante descer a ladeira com esses pequenos objetos, levando junto os nossos sonhos.
 
Na casa deles nunca entramos, eles nos atendiam na meia porta. A casa não tinha divisões. Era um imenso salão. Do lado de fora, um monte de olhinhos espertos ficavam admirando os calendários de anos e anos que se passaram, pendurados ainda na parede da grande e sombria sala. Eles quardavam tudo, nunca jogaram as coisas que ganhavam dos vizinhos e amigos, no lixo. Penduravam os objetos como obras-primas para enfeitar a casa!

 
Mamãe fazia um macarrão lindo e fininho, que chamamos até hoje de “taiadella” – (já dei esta receita em outra crônica).  Na tigela de louça branca ela quebrava ovos, um tiquinho de água e trigo. Amassava e amassava... Quando a massa estava bem homogênea, ela pegava o rolo de macarrão grande e começava a abrir a massa sobre uma grande mesa. Abria, esticava e a massa ia ficando fina, mais parecia uma grande toalha amarela. Daí, quando a massa cobria a mesa toda, ela enrolava  um grande canudo e a cortava fininha, tão fina que parecia cabelo de anjo. (Será que foi daí que deram o nome ao macarrão de hoje, aquele fininho? Não sei...)
 
Mas ...que tem a taidadela que nossa mãe fazia, com os velhos Dhemos? Tinha muito a ver e quantas marcas nos deixaram!
 
Quando dava lá pelas 16 horas, minha mãe coava o feijão da sobra do almoço e numa panela, com banha de porco, alho amassadinho e cebola cortadinha fazia um tempero delicioso... Jogava o feijão e quando estava com gostinho bom, ela colocava devarinho a taidella e fazia a melhor sopa do mundo!
 
Nossa família tomava a sopa, mas antes ela separava uma boa porção num recipiente de aluminio pintado de branco e que tinha endereço certo. Isto era todos feito todos os dias do ano. A Nega, minha parceira dos contos que contamos, era quem levava a sopa para os dois velhinhos.
 
Nunca tomávamos a sopa sozinhos, pois os Demos nos acompanhavam, lá da casa deles... Entregava a sopa e também pão feito em casa e descíamos a ladeira correndo e felizes, atrás da Nega... Não nos dávamos conta do bem que estávamos fazendo. Um dia eles cumpriram a jornada aqui na terra e um de cada vez se foi.
 
Mas a sopa da mamãe até hoje é feita e servida a pedido dos filhos e netos, bisnetos... Quem dera hoje tivesse velhos Dhemos com a pureza do tamanho da deles!
 
Nosso pai que hoje 27 de fevereiro completaria 89 anos, deve estar feliz lá junto de Deus, em saber que ele e a mamãe semearam a caridade em seus filhos, que  até hoje, não esquecem de dar a sopa que ele e mamãe davam aos velhos Demos, em forma de comida, agasalhos, remédios, cuidados, aos necessitados.
 
Deus abençoe aos velhos Dhemos e ao nosso pai!
 
Saudades...saudades....muitas saudades...
 
Parabéns, vovô Primo Fiori Sancio, nosso pequeno e grande pai!
 
 


(Parceria magnífica de Maria Cecília Sancio Lóss, a Nega. Difícil é saber quem escreveu o que...)
 
(Texto sem revisão ortográfica)
 


 
 
 
 


Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 28/02/2009
Alterado em 31/01/2012


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