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Textos


O girassol e o sabiá
Sunny Lóra
 
 
O imenso colégio abrigava enormes salas, tão limpas que tínhamos que tomar cuidado para não escorregar nos grandes corredores encerados. À medida que crescíamos, trocávamos de sala, até chegar no segundo pavimento, com honras e medalhas, santinhos lindos, cartões cuidadosamente desenhados, cartinhas de juras de amizade eterna.

O ano letivo terminava com um grande bazar, onde as alunas apresentavam seus bordados maravilhosos, engomados e extremamente brancos. De nada adiantava que eu quisesse, desesperadamente, participar do bazar... em mim nada que era a habilidade com  criatividade e pintura... nada funcionava! Uma vez tentei fazer uma montagem de caixas de papelão, onde tecidos cheios de flores eram colados e serviriam para guardar cartas e fotografias. Tentativa inútil! Irmã Ignez, a minha eterna protetora (eu aprontava todas) me salvava de última hora, colando um retalhinho aqui e outro ali. E assim eu podia participar do bazar, mas que ninguém via aquela caixinha toda torta lá num cantinho... viam nada!

 
O que eu gostava mesmo era de escrever e cantar. Já pequenina, minha letra se destacava. Nas horas de recreio, tudo que eu queria era comer a merenda que levava. Passava grande parte da manhã com o estômago roncando, sentindo o cheiro dos pães com goiabada e queijo dentro das mochilas das colegas -  (A minha merenda era sempre pão e bananas, que comia em segundos e ficava aguardando, de olho comprido, o pedacinho do pão da Valéria – até hoje sinto o gostinho daquele pão, que ela fazia questão de partilhar comigo, pra que eu não “aguasse”). Assim que conseguia meu intento, ia passear nas hortas do colégio. Uma folha diferente já era motivo pra que eu ficasse admirando o milagre da vida e motivo de uns versinhos despontando em minha cabecinha de apenas seis anos.
 
Dentre os meus amiguinhos, entre formigas fazendo caminhos – e eu ajudando a colocar pedacinhos de folhas pra que elas levassem o alimento para seus ninhos – havia um sabiá. O sabiá é um pássaro relativamente grande e tem um canto mavioso. O danadinho ficava exatamente na árvore perto da pequena sala (a menor do colégio, do lado de fora) onde aprendíamos as primeiras palavras escritas, com a delicadeza e paciência da Irmã Angélica.
 
Um dia, eu fiquei muito triste porque não ouvia o canto do meu amiguinho. Na hora do recreio, fomos todas à procura dele, achando que talvez ele tivesse casado...
 
Não... Ele ficou muito dodói e o Papai do Céu levou o nosso amiguinho embora. Nós o encontramos debaixo da árvore que tanto amava. Não pensamos muito... Fizemos o funeral do sabiá, com direito a tudo: flores, orações, caminho de pedrinhas coloridas, palitos de fósforos pra ajudar na confecção da estradinha que levaria ao lugar onde o sabiá ia dormir pra sempre.
 
E assim foi... Outro dia pensei nele. Tenho absoluta certeza que o seu corpinho é parte da terra que o abrigou e que ele está no mesmo lugar dentro do meu coração e de minhas amiguinhas. Não sei qual é a razão, mas toda vez que eu vejo um girassol eu me lembro do “meu” sabiá.
 
 
Ilha de Vitória, ES – em sábado de sol.
17 janeiro 2009
 
 

Imagem : Google search

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 17/01/2009
Alterado em 31/07/2010


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